Dorothy Crowfoot Hodgkin, Nobel de Química, 1964

Dorothy Hodgkin: a mulher que desvendou as estruturas da penicilina, vitamina B12 e insulina

Olá, estimados leitores e leitoras, esperamos que estejam preparados para a nossa próxima viagem! Vamos iniciá-la, então, na cidade do Cairo/Egito, local em que, no dia 2 de maio de 1910, nasceu Dorothy Crowfoot Hodgkin, uma mulher que fez e mudou a história.



A educação esteve presente na vida de Dorothy desde o princípio: seu pai, John, foi Diretor de Educação e Antiguidades no Sudão e Diretor de Arqueologia em Jerusalém, já a mãe de Dorothy, Grace Mary, além de ajudar o marido, trabalhava com técnicas de tecelagem e era botânica. Durante a primeira infância de Dorothy, John e Grace Mary trabalhavam no Egito, um país que enfrentava instabilidades decorrentes da Primeira Guerra Mundial. Por isso, os pais optaram por enviar Dorothy e as irmãs mais novas – Joan e Elisabeth – para morar com os avós, na Inglaterra. A pouca convivência com os pais nessa época foi o que, segundo Dorothy, lhe fez desenvolver um espírito independente.

Inicialmente, a educação de Dorothy e das irmãs aconteceu em casa. Contrariando o comportamento usual da época, as meninas foram incentivadas pela mãe aos estudos. Aos 11 anos, Dorothy passou a frequentar uma escola secundária mista, em Beccles, na Inglaterra, onde teve o primeiro contato com a química. Seu fascínio por essa área do conhecimento se ampliou quando, aos 13 anos, ela ganhou um kit de análises portátil de um geólogo amigo da família. Ela ficou impressionada ao analisar a areia do jardim de sua casa e identificar a ilmenita (dióxido de magnésio). A mãe percebeu o interesse de Dorothy pelos cristais e motivou seu espírito investigativo, permitindo que a filha montasse um pequeno laboratório no sótão de casa e dando-lhe livros para que ampliasse seu horizonte de conhecimentos.

Dorothy era apaixonada pela Ciência e, apesar de gostar do trabalho de arqueologia de seus pais, era a química a fascinava. Por esse motivo, ela dedicou a adolescência aos estudos para ingressar na Universidade de Oxford. Após duas reprovações, ela foi admitida, aos 18 anos, como aluna de Química no Somerville College, um dos poucos colleges da Universidade de Oxford que aceitava mulheres. Dorothy foi uma das cinco mulheres que ingressaram no curso de Química no ano de 1928, em uma turma com 60 alunos. Contudo, algumas disciplinas não permitiam a presença feminina para não distrair os meninos... Imagina isso?



Dorothy Crowfoot Hodgkin / Fonte: Geograph® Britain and Ireland; CC BY 2.0


No quarto ano de graduação, Dorothy desenvolveu seu trabalho de conclusão de curso, sobre difração de Raios X com o dialquil tálio, sob a orientação de Tiny Powell, cujos resultados foram publicados na edição 130 da revista Nature, em 1932. Aos 21 anos, ela concluiu o curso com nota máxima, tornando-se a terceira mulher a conquistar esse feito em Química na Universidade de Oxford. Deve-se ressaltar aqui que a técnica de difratometria de Raios X era relativamente nova, logo, muito desafiadora quando Dorothy iniciou suas pesquisas na área, sendo necessário realizar uma série de cálculos matemáticos a mão, já que não havia computadores na época, para a determinação da estrutura cristalina de interesse.




Após se formar, Dorothy teve dificuldade para conseguir um trabalho por ser mulher, mas recebeu um convite para desenvolver uma pesquisa de doutoramento na Universidade de Cambridge, com o Dr. John Bernal, estudando difração de Raios X em proteínas. Sua estadia em Cambridge ocorreu de 1932 até 1934 e sua tese abarcou o estudo catalográfico de esteróis, moléculas de álcoois policíclicos que apresentam 27 átomos de carbono dispostos em quatro anéis ligados, como o colesterol e o estrogênio. Em meados de 1934, Dorothy transferiu-se para a Universidade de Oxford, onde permaneceu pelo restante de sua carreira, como professora, além de desenvolver estudos no campo da biologia molecular. A pesquisadora defendeu sua tese em 1936 e publicou um artigo contendo a descrição cristalográfica detalhada de 50 esteróis.

No ano seguinte, enquanto realizava um trabalho em Londres, Dorothy conheceu Thomas Hodgkin, um intelectual envolvido com a educação de adultos, com quem se casou no mesmo ano. O primeiro filho do casal, Luke, nasceu em 1938 e Dorothy foi a primeira professora de Somerville – Oxford a usufruir de uma licença tipo maternidade, fato inusitado para aquele meio, pois não era comum que as mulheres continuassem a trabalhar após o casamento (aliás, a Universidade só passou a conceder esse direito às professoras em 1971!). Em 1941, nasceu sua segunda filha, Elisabeth, e em 1946 o casal teve seu terceiro filho, Toby.


Agora, vamos conhecer um pouco sobre as pesquisas que propiciaram a Dorothy um Prêmio Nobel:


A partir de 1939, Dorothy, agora doutora e professora da Universidade de Oxford, continuou seus estudos em cristalografia, determinando, juntamente com seus alunos e colaboradores, a estrutura de diversas moléculas de importância biológica. Dentre estas, três se destacam: a penicilina, a vitamina B12 e a insulina.

A penicilina foi o primeiro antibiótico a ser descoberto, em um trabalho de Alexander Fleming, sendo largamente utilizado para tratar soldados feridos na Segunda Guerra Mundial. Contudo, sua produção era difícil devido à dependência da criação de um fungo em grandes tanques de fermentação. Cientistas da época se propuseram a conhecer a estrutura molecular da penicilina, o que poderia levar a sua produção em grande escala. Em 1942, Dorothy se envolveu nesta pesquisa juntamente com Barbara Low, sua aluna de doutorado. Em 1945, elas elucidaram a estrutura da molécula, sendo possível, anos após essa determinação, a síntese da penicilina pela indústria farmacêutica.




Modelo molecular da penicilina, por Dorothy Hodgkin / Fonte: Wikimedia Commons; Domínio Público


O trabalho de Dorothy com a cristalografia prosseguiu e, em 1948, ela iniciou o estudo da estrutura da vitamina B12, essencial para o sistema nervoso e para a produção de glóbulos vermelhos. Como a molécula era muito complexa, sua estrutura não podia ser determinada pelas técnicas até então existentes. Assim, Dorothy e seus colaboradores tiveram que desenvolver novas técnicas e utilizar recursos computacionais para essa elucidação. Oito anos após o início da pesquisa, os pesquisadores tiveram êxito na determinação da estrutura da vitamina B12, o que fez com que o nome de Dorothy fosse mencionado para a disputa do Prêmio Nobel.

Em 1964, Dorothy recebeu sozinha o Prêmio Nobel em Química, pelo seu trabalho na determinação da estrutura de importantes substâncias bioquímicas, como a penicilina e a vitamina B12. Contudo, os jornais da época noticiavam que ela era uma mulher, mãe e casada, uma esposa britânica, ao invés de abordarem o trabalho por ela realizado e a importância das suas contribuições para o desenvolvimento científico.

Dorothy também realizou estudos com cristais de insulina, o hormônio que controla o metabolismo do açúcar, e uma das moléculas mais complicadas da natureza. A determinação dessa estrutura só foi possível em 1969, 20 anos após o início dos estudos. Entretanto, a pesquisadora não estava satisfeita com os resultados obtidos e continuou trabalhando com a molécula, mesmo após a sua aposentadoria, em 1977, devido a graves problemas nas suas articulações. No último trabalho que publicou sobre a insulina, em 1988, aos 78 anos de idade, Dorothy descreveu a estrutura completa da molécula, incluindo as posições atômicas de seus constituintes, permitindo, assim, a produção da molécula pela indústria farmacêutica. Além disso, Dorothy ministrava palestras ao redor do mundo, relativas a problemas de diabetes.

Apesar de tentar se manter ativa e participante dos eventos científicos, seu quadro de saúde piorou e ela faleceu em julho de 1994, em casa, rodeada pelos familiares.



Dorothy C. Hodgkin no Laboratório / Fonte: Research Gate; CC BY-NC 4.0


Algumas curiosidades sobre Dorothy Crowfoot Hodgkin...


Dorothy recebeu diversas honrarias em reconhecimento a sua carreira, dentre as quais podemos destacar:

  • foi a 3ª mulher eleita Fellow of the Royal Society (1947);

  • foi a 2ª mulher a se tornar membro da Ordem do Mérito (1965);

  • foi a 1ª mulher a ganhar a Medalha Copley, a mais antiga e de maior prestígio da Royal Society (1977).

Além disso, Dorothy tentou usar sua influência na comunidade científica global em prol da paz e da justiça, envolvendo-se em causas humanitárias e defendendo o antimilitarismo, a solução pacífica de conflitos, os direitos dos desfavorecidos e o progresso científico mundial. Ela também trabalhou para aliviar as tensões entre oeste e leste, no período da Guerra Fria, recebendo, por seus esforços, o Prêmio Lenin da Paz (1987).


Esperamos que vocês tenham gostado da viagem de hoje, estimados leitores e leitoras. Cuidem-se e até a próxima!


Heidi Mara

Marcia Gabriela Pianaro Valenga

Tatiana Simões


Para saber um pouco mais sobre esta cientista:

 

Vídeo “In Our Time: S22/03 Dorothy Hodgkin (Oct 3 2019)”

Melvyn Bragg e convidados discutem o trabalho e as ideias de Dorothy Crowfoot Hodgkin (1910-1994), ganhadora do Prêmio Nobel de Química em 1964 por revelar as estruturas da vitamina B12 e da penicilina e quem mais tarde determinou a estrutura da insulina. 

Ele pode ser visto na integra no Youtube, no link:

https://www.youtube.com/watch?v=7S9_vcwlRyo


Vídeo “CAN385 NOBEL CHEMISTRY PRIZE WINNER DOCTOR DOROTHY HODGKIN FROM OXFORD”

A vencedora do prêmio Nobel de química britânica, a professora Dorothy Hodgkin entrevistada em seus quartos na Universidade de Oxford. Seu trabalho foi sobre a estrutura da vitamina B12.

Ele pode ser visto na integra no Youtube, no link:

https://www.youtube.com/watch?v=DlVBU3vZArI


Vídeo “(4 of 8) Dorothy Crowfoot Hodgkin, "On Continuing the X-ray Analysis of Insulin"


Dorothy Crowfoot Hodgkin (1910-1994) proferiu uma palestra no Simpósio do Prêmio Nobel de 1988 no encontro anual da American Crystallographic Association, Filadélfia. Ela recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1964.

Ele pode ser visto na integra no Youtube, no link:

https://www.youtube.com/watch?v=pNl5rwIg4B4




Referências:


(4 OF 8) DOROTHY CROWFOOT HODGKIN, "ON CONTINUING THE X-RAY ANALYSIS OF INSULIN. 8 de abr. de 2014. 1 vídeo (43min 58seg). Publicado pelo canal AMERICAN CRYSTALLOGRAPHIC ASSOCIATION Inglês. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pNl5rwIg4B4. Acesso em 12 set. 2020.


AGORA É QUE SÃO ELAS: DOROTHY HODGKIN. Fundação Cecierj, 15 jul. 2020. Disponível em: https://www.cecierj.edu.br/2020/07/15/agora-e-que-sao-elas-dorothy-hodgkin/. Acesso em 12 set. 2020.


CAN385 NOBEL CHEMISTRY PRIZE WINNER DOCTOR DOROTHY HODGKIN FROM OXFORD. 28 de jul. de 2015. 1 vídeo (4min 34seg). Publicado pelo canal AP ARCHIVE Inglês. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DlVBU3vZArI. Acesso em 12 set. 2020.


DOROTHY CROWFOOT HODGKIN – Fatos. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1964/hodgkin/facts/. Acesso em 12 set. 2020.


DOROTHY CROWFOOT HODGKIN – Biografia. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1964/hodgkin/biographical/. Acesso em 12 set. 2020.


DOROTHY HODGKIN – química inglesa, recebeu o Nobel em 1964. Explicatorium. Disponível em: http://www.explicatorium.com/biografias/dorothy-hodgkin.html Acesso em 12 set. 2020.


FERRY, Georgina. Dorothy Hodgkin - English chemist, 25 Jul. 2020. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Dorothy-Hodgkin. Acesso em 12 set. 2020.


IN OUR TIME: S22/03 DOROTHY HODGKIN (OCT 3 2019). 31 de out. de 2019. 1 vídeo (51min 31seg). Publicado pelo canal IN OUR TIME Inglês. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7S9_vcwlRyo. Acesso em 12 set. 2020.


MIRANDA, Juliana. Dorothy Crowfoot Hodgkin – Biografias, Grupo Escolar. Disponível em: https://www.grupoescolar.com/pesquisa/dorothy-crowfoot-hodgkin.html. Acesso em 12 set. 2020.


OLIVEIRA, Patrícia Camargo de. Dorothy Crowfoot Hodgkin (1910-1994), 22 mai. 2020. Disponível em: https://www3.unicentro.br/petfisica/2020/05/22/dorothy-crowfoot-hodgkin-1910-1994/. Acesso em 12 set. 2020.

PRADO, Letícia do. Dorothy Hodgkin e seus estudos cristalográficos sobre a estrutura da penicilina. História da Ciência e Ensino: construindo interfaces, v. 18 (especial), p. 128-151, 2018.


VARGAS, Maria D. Dorothy Crowfoot Hodgkin: Uma Vida Dedicada à Ciência. Revista Virtual de Química, v. 4, n. 1, p. 85-100, 2012.


WERLANG, Jéssica Bellotto. Personalidades da Ciência – Dorothy Hodgkin, 13 out. 2019. Disponível em: https://vidya-academics.webnode.com/l/personalidades-da-ciencia-dorothy-hodgkin/. Acesso em 12 set. 2020.


WIKIMEDIA COMMONS. Somerville College. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2513138. Acesso em 12 set. 2020.


WIKIMEDIA COMMONS. Molecular model of Penicillin by Dorothy Hodgkin, c.1945. Front three quarter. Graduated grey background. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Dorothy_Hodgkin#/media/File:Molecular_model_of_Penicillin_by_Dorothy_Hodgkin_(9663803982).jpg. Acesso em 12 set. 2020.


WIKIPEDIA. Dorothy Crowfoot Hodgkin. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dorothy_Crowfoot_Hodgkin. Acesso em 12 set. 2020.







Comentários