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NADINE GORDIMER: A GUERREIRA QUE USAVA LIVROS COMO ARMAS
Olá, estimados leitores e leitoras, vocês estão prontos para a viagem de hoje? Vamos iniciá-la, então, na África do Sul, mais especificamente na cidade de Springs, local em que, no dia 20 de novembro de 1923, nasceu Nadine Gordimer, uma mulher que retratou em seus escritos as injustiças raciais e sociais impostas pelo regime do apartheid.
Nadine era filha
de imigrantes europeus: sua mãe, Nan, havia nascido na Inglaterra e seu pai,
Isidore, na Letônia, país que na época fazia parte do Império Russo. Os
Gordimer criaram Nadine e sua irmã mais velha em meio a uma hierarquia social
complexa, rígida e desigual: no estrato superior da sociedade estavam os
primeiros colonos vindos da Inglaterra e os afrikaners brancos, descendentes de
colonizadores do oeste europeu; abaixo deles, vinham os imigrantes recentemente
chegados do leste europeu, dentre os quais, Isidore Gordimer. No estrato
inferior, enfrentando as maiores desvantagens, estavam os negros que
trabalhavam nas minas de ouro da cidade, cujo acesso a todas as instalações
públicas era negado. Isidore, sendo judeu, havia enfrentado discriminação
religiosa em sua terra natal e acabou aceitando o sistema social tal qual o
encontrou. Por outro lado, Nan não se conformou com a injustiça social e, como
forma de combatê-la, fundou uma creche para os filhos dos trabalhadores negros
da cidade.
Aos seis anos de
idade, influenciada pela mãe, Nadine se tornou um membro da biblioteca infantil
da cidade, o que fez com que ela se tornasse uma grande leitora. A mãe dela era
amiga da bibliotecária e isso possibilitou que a menina, mesmo muito nova,
deixasse o departamento infantil e partisse para as leituras disponíveis no
departamento dos adultos. Não havia livros suficientes que pudessem satisfazer seu
desejo de ler e foi isso que a inspirou a começar a escrever. Em entrevista
concedida à Academy of Achievement, ao relembrar essa situação, a
escritora reflete sobre quão dura era a realidade social em que estava inserida,
pois se tivesse nascido negra provavelmente não teria contato com a leitura do
modo que teve, já que a biblioteca municipal podia ser usada apenas por brancos.
Na adolescência,
Nadine presenciou uma cena que imprimiu nela a realidade brutal do sistema: no
meio da noite a polícia local invadiu a casa da família e revirou o quarto da
empregada, negra, pois suspeitavam que ela fermentava cerveja ilegalmente. Esse
acontecimento a levou a entender como o fato de ser branca era um privilégio e,
mais tarde, formou a base de uma das primeiras histórias publicadas por ela.
Ainda na
juventude, ela teve uma paixão pela dança. Entretanto, a descoberta de que a
menina tinha uma doença na glândula tireoide fez com que a mãe dela ficasse tão
assustada que decidiu afasta-la das aulas de dança e também da escola. Dali em diante,
ela foi educada em casa. Nessa situação, como forma de driblar a solidão,
Nadine encontrou um mundo de aventuras e ideias na leitura. Foi a partir daí,
também, que começou a escrever, tendo publicado sua primeira história na seção
infantil do jornal local. Pouco tempo depois, aos 15 anos de idade, ela teve
uma história publicada em um jornal para leitores adultos.
Aos 19 anos de
idade, ela resolveu frequentar a Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo.
A instituição era para brancos, mas havia ocasiões em que estudantes negros,
geralmente da pós-graduação, eram aceitos. Lá ela conheceu jovens artistas e
escritores negros, que viriam a se reunir no bairro conhecido como Sophiatown.
Após um ano, em 1948, Gordimer deixou a faculdade, sem uma graduação, e se
estabeleceu na cidade. No mesmo ano, o Partido Nacional, dominado pelos
afrikaners brancos, ganhou a eleição nacional e começou a instituir a política
do apartheid, estabelecendo a separação das raças. Sophiatown e outros bairros
foram demolidos, para substituir os residentes negros por brancos e amigos de
Nadine estavam entre as pessoas que perderam as suas casas.
Em 1949, o
primeiro conto de Nadine, Face to Face (Cara a Cara, em livre
tradução), foi publicado, seguido das coleções Town and Country Lovers (Amantes
da Cidade e do Campo, em livre tradução) e The Soft Voice of the Serpent
(A Voz Suave da Serpente, em livre tradução). Em 1951, a escrita
dela começou a chamar atenção em outros países, principalmente quando suas
histórias começaram a aparecer na revista estadunidense The New Yorker.
Em 1953, ela publicou seu primeiro romance, The Lying Days (Os Dias
Mentirosos, em livre tradução), que descrevia o despertar político de uma
jovem mulher crescendo na cidade natal de Gordimer.
Um breve primeiro
casamento resultou no nascimento da sua primeira filha, Oriane, em 1950. Em
1954, Nadine casou-se com Reinhold Cassirer, um negociante de arte que tinha
ido à África do Sul como um refugiado do regime nazista alemão. Um ano depois,
nasceu o primeiro filho do casal: Hugo.
As medidas
repressivas contra negros e os críticos do regime se intensificaram na África
do Sul, no começo de 1960. Nesse ano, Bettie du Toit, ativista política e
grande amiga de Nadine, foi presa. Além disso, ocorreu o massacre sangrento de
manifestantes negros em Sharpeville. Esses acontecimentos fizeram com que a
oposição da escritora ao regime crescesse. Foi quando ela se tornou amiga dos
advogados Bram Fischer e George Bizos, que defenderam Nelson Mandela em seu
julgamento de traição em 1962.
Um dos primeiros
romances de Gordimer, A World of Strangers (Um Mundo de Estranhos,
em livre tradução), de 1958, foi banido pelo governo sul africano. Porém, o
trabalho dela continuou atraindo atenção fora do país e, em 1961, recebeu o prêmio
literário W. H. Smith Commonwealth, sua primeira honraria internacional.
Gordimer continuou a desafiar as estruturas do apartheid em seu trabalho: o
romance Occasion for Loving (Ocasião Para Amar, em livre
tradução), de 1963, retratou uma mulher branca apaixonada por um homem negro,
enquanto relacionamentos interraciais era proibidos por lei. Em 1974, ela
publicou The Conservationist (O Conservador), que lhe rendeu o Book
Prize, a maior honraria literária do Reino Unido. Paralelamente a isso, na
década de 1970, o conflito armado entre o Congresso Nacional Africano (ANC) e o
Partido Nacional se intensificou, e Gordimer se juntou ao ANC, banido pelo
governo, e algumas vezes escondeu os líderes fugitivos do grupo em sua casa.
Em 1979, a
escritora foi censurada novamente, quando o governo baniu seu romance Burger’s
Daughter (A Filha de Burger). Ao invés de aceitar o banimento,
Gordimer, com o auxílio de seus amigos advogados, fez um requerimento ao painel
de censura, perguntando as razões para aquela medida. Na resposta, o motivo do
banimento foi dito ser blasfêmia: em um dos diálogos da história, pais falam
para seu filho que Jesus, sendo nascido no Oriente Médio, provavelmente não
tinha olhos azuis e cabelos loiros. Após receber a resposta, ela publicou um livreto
chamado What Happened to Burger’s Daughter (O Que Aconteceu com A Filha de
Burger, em livre tradução), que foi fornecido a livrarias para que
distribuíssem, gratuitamente, para as pessoas. A censura desse livro foi
revogada, porém, em 1981, o romance July’s People (Pessoas de Julho, em
livre tradução) – cuja história era sobre um futuro pós-apartheid no qual uma revolução
violenta liderada pelos negros havia levado muitos brancos a se esconderem –
foi banido. Assim, enquanto os livros de Nadine Gordimer estavam sendo
publicados e apreciados em outras partes do mundo, seu próprio povo não podia
ler suas histórias, a não ser que contrabandeassem as obras.
O ano de 1990
representou um ponto de virada na história da África do Sul: o governo
reconheceu o ANC como um partido de oposição legal e iniciou as negociações
para a transição para uma democracia multirracial. Quando o líder da ANC,
Nelson Mandela, foi solto da prisão, Nadine Gordimer foi uma das primeiras
pessoas que ele pediu pra ver. No mesmo ano, foi anunciado que ela receberia o
Prêmio Nobel em Literatura de 1991. Ao selecioná-la para o prêmio, a Academia
Sueca elogiou o “imediatismo intenso” de seu trabalho ao retratar “relações
pessoais e sociais extremamente complicadas”. O trabalho dela foi dito
exemplificar o conceito da literatura em “benefício da humanidade”, que Alfred
Nobel tinha visado quando criou o prêmio.
Nadine Gordimer
Fonte: Boberger/Wikimedia Commons/Licença: CC BY 3.0
Seu décimo quinto
e último romance, No Time Like the Present (O Melhor Tempo é o
Presente), foi publicado em 2012. Em 13 de julho de 2014, em sua casa em
Joanesburgo, Nadine Gordimer faleceu, aos 90 anos de idade.
Algumas curiosidades sobre Nadine Gordimer...
·
Recebeu graus
honorários de diversas Universidades, dentre as quais: Yale, Harvard, Columbia
e New School for Social Research (Estados Unidos); Leuven (Bélgica); York e
Cambridge (Inglaterra); Cape Town e Witwatersrand (África do Sul).
·
Foi membro da
Royal Society of Literature.
·
Foi embaixadora de
boa vontade do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), que
tem por objetivo promover o desenvolvimento e erradicar a pobreza do mundo.
·
Foi
vice-presidente do PEN Internacional, um clube que reúne escritores do mundo
todo.
·
Doou parte do
dinheiro recebido ao ganhar o Prêmio Nobel para o Congresso Sul Africano de
Escritores.
Esperamos que vocês
tenham gostado da viagem de hoje, estimados leitores e leitoras. Cuidem-se e
até a próxima!
Marcia
Gabriela Pianaro Valenga
Tatiana
Simões
FONTE: Academy of Achievement
Você pode encontrar um pouco mais sobre Nadine Gordimer em...
·
Entrevista
transcrita e com vídeo “Warrior of Imagination”
Em entrevista concedida à Academy of Achievement,
Nadine Gordimer fala sobre sua história de vida e os acontecimentos que lhe
inspiraram a escrever.
Ela pode ser vista na íntegra no link: https://achievement.org/achiever/nadine-gordimer/#interview
·
Vídeo “Nadine
Gordimer – Prose”
A Laureada com o Nobel de Literatura de 1991, Nadine
Gordimer, lê seu conto “Loot” de “Loot and Other Stories”. O
vídeo foi gravado na Universidade de Harvard, em abril de 2005.
Ele pode ser visto na íntegra no link: https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1991/gordimer/25767-nadine-gordimer-prose-1991/
·
Vídeo “Nadine
Gordimer no Roda Viva – 08/07/2007”
A escritora e ativista política da África do Sul,
Nadine Gordimer, vem ao Roda Viva para debater uma literatura que retrata
dramas da aventura humana nessas últimas décadas, como a luta por democracia,
aumento da violência urbana, guerras e conflitos étnicos que desafiam esse
mundo globalizado.
Ele pode ser visualizado na íntegra no link: https://www.youtube.com/watch?v=RhFlOkQcO4A
Referências
NADINE GORDIMER – Article. The Nobel Prize. Disponível
em: https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1991/gordimer/article/. Acesso em: 12 nov. 2020.
NADINE GORDIMER – Bibliography. The Nobel Prize.
Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1991/gordimer/bibliography/. Acesso em: 12 nov. 2020.
NADINE GORDIMER – Bibliographical. The Nobel Prize.
Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1991/gordimer/biographical/. Acesso em: 12 nov.
2020.
NADINE GORDIMER - Biography. Academy of Achievement. Disponível
em: https://achievement.org/achiever/nadine-gordimer/#biography. Acesso em: 12 nov. 2020.
NADINE
GORDIMER - Interview. Academy of Achievement. Disponível
em:https://achievement.org/achiever/nadine-gordimer/#interview. Acesso em: 12 nov.
2020.
NADINE GORDIMER - Profile. Academy of Achievement. Disponível
em: https://achievement.org/achiever/nadine-gordimer/#profile. Acesso em: 12 nov. 2020.
NADINE GORDIMER. Wikimedia Commons. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nadine_Gordimer_01.JPG. Acesso em: 12. nov. 2020.
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