Maria Wislawa Anna Szymborska, Nobel de Literatura, 1996

Maria Szymborska, a escritora que através da poesia descreveu o contexto histórico em fragmentos da realidade humana


        Hoje iremos conhecer a história de Wislawa Szymborska, uma poetisa polonesa ganhadora do Nobel de Literatura de 1996. Sua poesia reúne vários temas, desde ciências naturais até acontecimentos do dia a dia, sempre com um toque de bom humor e ironismo.

Venha com a gente conhecer a Szymborska!



        Wislawa Szymborska nasceu dia 2 de julho de 1923, em Bnin, uma pequena cidade no oeste da Polônia. Sua família mudou-se para Cracóvia em 1931, onde ela viveu a maior parte de sua vida. Quando criança, passava as férias com sua irmã, Maria Nawoja nas montanhas da cidade de Zakopane, ao sul da Polônia, onde seu pai – Vincent Szymborska - havia sido administrador de uma propriedade do conde Zamoyski (hoje um parque nacional).

        Ela cursou clandestinamente o segundo grau durante a ocupação nazista e em 1945 começou a estudar literatura e sociologia na Universidade Jagiellônica de Cracóvia, mas devido a dificuldades financeiras não terminou os estudos. Enquanto frequentava a universidade, ela conheceu Czeslaw Milosz (um poeta polonês muito famoso, ganhador do Nobel em 1980) que certamente foi uma grande influência no campo da literatura.

        Wislawa se casou em 1948 com um colega poeta, Adam Wlodek, mas depois de cinco anos se divorciou. Aos 44 anos conheceu Kornel Filipowicz, também escritor polonês, e viveram 23 anos juntos. Wislawa não se casou com ele, mas eram amantes e ótimos companheiros de vida. Quando o escritor faleceu, descreveu seu relacionamento com ele com a frase: “éramos cavalos que galopam lado a lado”.



                                                        Fonte: Trabalho próprio; CC BY 2.0


        Após a Segunda Guerra, a Polônia tornou-se um satélite da União Soviética e sob o regime comunista as atividades intelectuais e artísticas sofreram forte censura. Como vários outros jovens artistas, Szymborska filiou-se ao Partido Comunista no início dos anos 1950 e publicou os primeiros poemas em consonância com a ideologia do partido. Porém, após a morte de Stalin, Wislawa passou a não compactuar esses ideais em seus poemas.

        De 1953 a 1981 fez parte da redação da revista Życie literackie (Vida literária, em livre tradução) e em 1961 assinou uma coluna com o título Lektury nadobowiązkowe (Leituras não obrigatórias, em livre tradução). A coluna era composta de pequenas crônicas em que Wislawa comentava sobre livros que havia lido e outros diversos assuntos. Essas crônicas, suas únicas obras em prosa, constituem verdadeiras pérolas de humor e posteriormente foram reunidas e publicadas em forma de livro em três edições.

        Szymborska não foi uma poeta prolífica. Em cinco décadas publicou somente doze pequenos volumes de poesia que totalizam algumas centenas de poemas. São eles: Dlatego żyjemy (Por isso vivemos), 1952; Pytania zadawane sobie (Perguntas feitas a mim mesma), 1954; Wołanie do Yeti (Chamando por Yeti), 1957; Sol (Sal), 1962; Sto pociech (Muito divertido), 1967; Wszelki wypadek (Todo caso), 1972; Wielka liczba (Um grande número), 1976; Ludzie na moście (Gente na ponte), 1987; Koniec i początek (Fim e comeco), 1993; Chwila (Instante), 2002; Dwukropek (Dois pontos), 2005; Tutaj (Aqui), 2009[1]. Sua poesia informa claramente desde a história polonesa e a Segunda Guerra Mundial até acontecimentos comuns da vida cotidiana. Seus poemas guardam um tom cético, conservando uma leveza que vem do riso e da ironia e mesmo nos temas mais ásperos, o recurso ao humor está sempre presente. Além disso, ela também é celebrada por dar voz àquelas figuras que, por diversas razões, foram silenciadas ao longo da história, como por exemplo, no poema A Mulher de Lot, apresentado abaixo:


A Mulher de Lot (Żona Lota 1976)

Dizem que olhei para trás de curiosa.
Mas quem sabe eu também tinha outras razões.
Olhei para trás de pena pela tigela de prata.
Por distração – amarrando a tira da sandália.
Para não olhar mais para a nuca virtuosa
do meu marido Lot.
Pela súbita certeza de que se eu morresse
ele nem diminuiria o passo.
Pela desobediência dos mansos.
Alerta à perseguição.
Afetada pelo silêncio, na esperança de Deus ter mudado de ideia.
[...]

    Apesar de não ser o foco de sua produção, os temas da guerra e da violência contra as liberdades individuais aparecem em alguns de seus melhores poemas, como Os Filhos da Época, 1987 mostrado abaixo.

Filhos da época (Dzieci epoki, 1987)

Filhos da época
Somos filhos da época
e a época é política.
Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.
Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.
O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.
Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.
[...]

Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável.
Ou mesa de conferência cuja forma
se discutia por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.
Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.


        Em 1995 Wislawa recebeu um doutorado honorário pela Universidade Adam Mickiewicz em Poznan. No seu discurso laudatório, o Professor Edward afirma: “A poesia de Wisława Szymborska é uma poesia de grandes questões. Os críticos encontraram nela inspirações filosóficas; é uma filosofia sem limites nem delimitações[...], é amplamente aberta à metafísica, envolvendo-se no debate sobre a existência do mundo”. Ela ganhou vários outros prêmios na Polônia e no exterior, dentre eles o prêmio Goethe, na Alemanha, em 1991; o prêmio Herder, na Áustria, em 1995; e o prêmio do Pen Club polonês em 1996. Nesse mesmo ano, Szymborska recebeu o Prêmio Nobel de Literatura “pela sua poesia que com irônica precisão permitiu que o contexto histórico fosse descrito em fragmentos da realidade humana”.

        Szymborska sempre levou uma vida discreta, não gostava de dar entrevistas nem de aparecer na mídia. A premiação do Nobel colocou-a sob os holofotes, e a transformou numa celebridade, tirando-lhe, por um bom tempo, a tranquilidade para escrever. Por isso, seus amigos se referiam ao prêmio como “a tragédia do Nobel”. A poeta morreu em seu apartamento no dia 1º de fevereiro de 2012, aos 88 anos, vítima de um câncer de pulmão.

        Sua vida era de pouco conhecimento público. Até ganhar o Nobel ela não havia concedido nem dez entrevistas, recusava a maioria dos chamados, não opinava publicamente sobre poetas conhecidos e sentia terrível constrangimento em fazer qualquer leitura de seus poemas. Mas apesar de sua vida discreta, sua obra foi traduzida para dezenas de línguas, inclusive para língua portuguesa e hoje é considerada uma das poetas mais relevantes do século XX.

        Que poetisa fascinante, não é mesmo?! Viva a poesia feminina! Viva Szymborska!


Abraços e até a próxima!

Por Rayssa de Moura e Tatiana Simões



Infográfico: Rayssa de Moura




CURIOSIDADES:


  • Um dos hábitos afetivos que a poeta cultivou até o fim da vida foi o de enviar cartões-postais personalizados, elaborados com a técnica de colagem de revistas para seus amigos. A fundação Wislawa Szymborska inclui um registro de imagens que reproduz, além de fotos da escritora, alguns dos postais recebidos pelos amigos.


  • O senso de humor de Szymborska era uma característica marcante. Sempre fazia brincadeirinhas com os amigos, trotes telefônicos e sorteios de quinquilharias. Certa vez colocou uma ovelha de gesso em tamanho real no jardim de um casal de amigos, a fim de assustá-los.


  • Wislawa mantinha um caderno de notas, com palavras e pensamentos que podiam ou não dar origem a algum poema futuro. Uma frase registrada em meados de 1960 – “alguns gostam de poesia” – virou título de um poema publicado cinco décadas depois.



PARA SABER MAIS


FUNDAÇÃO WISLAWA SZYMBORSKA, Galeria de fotos: https://www.szymborska.org.pl/en/wislawa/gallery/photos/


Livro: SZCZESNA, J.; BIKONT, A. Quinquilharias e Recordações, Biografia de Wislawa Szymborska. Ed. Âyiné, 2020.


VÍDEO DISPONÍVEL YOUTUBE: Quem foi Wislawa Szymborska? Editora Äyiné, 2018. 

https://www.youtube.com/watch?v=ECG-Rwhj4n4


REFERÊNCIAS:


Prêmio Nobel de Literatura de 1996. Wislawa Szymborska. Acesso dia 21 de dezembro de 2020. https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1996/summary/


Wislawa Szymborska. Acesso dia 21 de dezembro de 2020. https://poets.org/poet/wislawa-szymborska


O lugar da poesia na história dos livros proibidos. Acesso dia 21 de dezembro de 2020. https://poets.org/text/poetrys-place-history-banned-books


Biografia da polonesa Wislawa Szymborska, uma luz nos versos que indagam o mundo. Acesso dia 23 de dezembro de 2020. https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2020/07/17/interna_pensar,1167646/biografia-da-polonesa-wislawa-szymborska-uma-luz-nos-versos-que-indag.shtml


A biografia da Nobel que expôs a desilusão com o socialismo em versos. Acesso dia 28 de dezembro de 2020.

https://veja.abril.com.br/cultura/a-biografia-da-nobel-que-expos-a-desilusao-com-o-socialismo-em-versos/


LEIA MULHERES: A poesia de Wislawa Szymborska. Acesso dia 09 de janeiro de 2021.

https://deliriumnerd.com/2017/03/02/leia-mulheres-wislawa-szymborska/


[1] SZYMBORSKA, W. Poemas. Tradução de Regina Przybycien. Companhia das Letras. 2011


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