SVETLANA ALEXIEVITCH, NOBEL DE LITERATURA, 2015

SVETLANA ALEXIEVITCH, A ESCRITORA QUE DEU VOZ ÀS SOLDADAS SOVIÉTICAS

        Quando você escuta o termo “soldado de guerra” que imagem vem à sua mente? É bem provável que muitos de vocês pensaram na figura de um homem fardado. Parece difícil imaginar uma mulher combatente? Por que?

        Ao longo dos séculos, diversas mulheres participaram de conflitos armados. Contudo, suas histórias foram esquecidas e até mesmo apagadas da história.

        Porém, hoje, iremos falar sobre uma escritora e jornalista que deu voz às muitas soldadas soviéticas que lutaram durante a Segunda Guerra Mundial. Por meio dos relatos das sobreviventes, a autora abordou em seu livro as memórias relacionadas ao frio e a fome, além de denunciar a violência sexual sofrida por elas, de uma forma angustiante e arrebatadora.

        Essa escritora é Svetlana Alexievitch! Considerada uma das autoras mais prestigiadas a escrever sobre a URSS, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2015 pelos seus ilustres relatos de guerra através de sua escrita excepcional.

Venham com a gente conhecer Svetlana!

        
        Svetlana Alexandrivna Alexievitch nasceu dia 31 de maio de 1948 em Ivano Frankivsk, uma cidade localizada no oeste da Ucrânia. Seu pai, Aleksandr Alexievitch era um militar bielorrusso e sua mãe, Yevgeniya Alexievitch, ucraniana. Após a desmobilização de seu pai do exército, a família foi morar em uma aldeia rural na Bielorrússia, lugar em que seus pais trabalharam como professores.

        Desde sua adolescência, Svetlana escrevia poesias e contribuía com artigos para o jornal da escola. Após terminar seus estudos básicos, já estava decidida que queria cursar jornalismo. Porém, naquela época, era preciso ter um registro de trabalho de dois anos para se inscrever no Departamento de Jornalismo da Universidade de Minsk. Com isso, ela trabalhou como repórter no jornal local na cidade de Narovl e em 1967 ingressou na Universidade. Durante sua graduação, ganhou vários prêmios e competições sindicais para trabalhos acadêmicos e estudantis.

        Depois de formada, Svetlana começou a trabalhar em um jornal local, na cidade de Brest - Bielorrússia e também como professora em uma escola da mesma cidade. Ela ainda estava indecisa quanto sua carreira profissional: ser professora ou jornalista. Porém, após um ano, recebeu uma proposta para trabalhar no Jornal Rural de Minsk, capital da Bielorrúsia. Com isso, passou a dedicar-se exclusivamente ao jornalismo e trabalhou como repórter em vários jornais locais. Depois de muito esforço e trabalho, se estabeleceu chefe da seção de não ficção na revista literária Neman.

        Svetlana tinha a reputação de ser uma jornalista discordante com opiniões anticomunistas e antigovernamentais, e isso não era visto com bons olhos pela maioria das pessoas.

Svetlana Alexievitch - Fonte: English PEN; Licença: CC BY-NC-SA 2.0.

        A infância e juventude de Svetlana sempre foi cercada de lembranças de guerra: casamentos, eventos, batizados e feriados, a guerra sempre esteve presente. Seu avô ucraniano, morreu no front. Dois tios serviram no Exército e desapareceram nos primeiros meses de guerra. Outros familiares foram queimados vivos pelos alemães. A jornalista citou muitas vezes em entrevistas que “não sabia como era viver em um mundo sem guerra, o mundo da guerra era o único que ela conhecia”.

        Entretanto, Svetlana não se admirava com as histórias heroicas que escutava na escola, ou de representantes do governo. Os gritos, o sofrimento e a dor que esses combates causavam às pessoas chamavam muito mais sua atenção. A aldeia em que morava na sua infância, depois da guerra, era praticamente feminina e essas mulheres relatavam sobre esses conflitos de uma forma muito triste.

        Foi a partir dos relatos e histórias dessas mulheres que ela decidiu dar impulso aos seus escritos. Alexievitch queria transmitir com palavras as histórias reais que ouvia de pessoas sobre a guerra. Com isso, ela criou um gênero literário de não ficção inteiramente seu, o chamado: “romance de vozes” ou “romance documental” – uma escrita em forma de prosa documental, que é baseada em centenas de entrevistas. Ela foi desenvolvendo este gênero livro após livro e, sua habilidade nisso, lhe permitiu entrelaçar as vozes originais de seus testemunhos em uma notável concisão artística.

        Em 1983, ela concluiu seu livro A Guerra não tem Rosto de Mulher. O romance é composto por monólogos de ex-soldadas soviéticas, que falam sobre aspectos desconhecidos da Segunda Guerra Mundial. Durante dois anos, o livro esteve em uma editora, mas não foi publicado devido às varias acusações recebidas por "romper a imagem heroica da mulher soviética". Essas acusações podiam ter consequências bastante graves naquela época.

        Somente em 1985, após a ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder e o início da perestroika - política de reforma governamental do sistema econômico na União Soviética - seu livro foi publicado e alcançou fama em todo o país e no exterior. Nos anos subsequentes, foi repetidamente reimpresso. Ao todo, mais de dois milhões de cópias foram vendidas! O livro foi saudado por escritores de guerra e também pelo público.

"Tudo o que sabíamos da guerra foi contado pelos homens. Por que as mulheres que suportaram este mundo absolutamente masculino não defenderam sua história, suas palavras e seus sentimentos? Um mundo inteiro foi escondido de nós. A guerra permaneceu desconhecida. Quero escrever a história dessa guerra. A história das mulheres."  (A Guerra não tem Rosto de Mulher, 1983)

Svetlana Alexievich, Kabul, 1988. Foto do arquivo de S. Alexievich, 023.
Fonte: Nobel Prize

        Além dessa obra incrível, Alexievitch também escreveu outros livros de extrema relevância. O projeto literário Vozes da Utopia, constituem nos cinco grandes volumes em prosa da escritora. São eles: A Guerra não tem Rosto de Mulher (1983); As Últimas Testemunhas: Crianças na Segunda Guerra Mundial (1985), onde Svetlana reuniu os relatos francos de vários sobreviventes da Segunda Guerra, que, quando crianças, testemunharam horrores que nenhum ser humano jamais deveria experimentar; Meninos de Zinco (1991), que demonstra a sensibilidade com o povo afegão e a brutalidade da guerra soviético-afegã; Vozes de Tchernóbil: a história oral do desastre nuclear (1997), onde dedicou mais de 10 anos de depoimentos com vítimas da tragédia; e O fim do Homem Soviético (2013), em que Svetlana Alexievich consegue dar voz e manter a memória soviética de homens e mulheres.

        Cada livro subsequente da autora, revela uma organização, um estilo e o fator principal: os sentimentos e as histórias reais de sobreviventes de vários conflitos mundiais. Devido sua escrita única, rica em detalhes, Svetlana Alexievich recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 2015 "por seus escritos polifônicos, um monumento ao sofrimento e à coragem em nosso tempo [1].

        Além do prêmio Nobel de Literatura, a autora tem sido agraciada com importantes prêmios internacionais, como o Erich Maria Remarque Peace Prize (2001); o Prêmio Sandro Onofri de Não-ficção narrativa (2002); o National Book Critics Circle Award - Reino Unido (2006); e o Prêmio da Paz da Associação Alemã do Livro (2013). Seu livro, O fim do Homem Soviético, recebeu o Prêmio Prix Médicis Essai, em 2013, e foi considerado o Melhor Livro do Ano pela revista Lire.

        Atualmente, a escritora de 73 anos de idade com renome internacional e crítica do regime ditatorial de seu país, vive em Minsk, embora devido às suas opiniões contrárias ela ainda é indesejável para as autoridades. Durante muito tempo, ela morou em Paris.

        Svetlana é mulher, jornalista e uma escritora fantástica! Não somente pelos seus escritos e gênero literário único, mas pela sua força e coragem.

Esperamos que vocês tenham gostado de conhecer a incrível ganhadora do Nobel de 2015.


Cuidem-se e até a próxima!

Por Rayssa de Moura e Tatiana Simões


Infográfico: Rayssa de Moura
Arte utilizada no infográfico: Nadzeya Makeyeva @nadzeya_makeyeva @bybolshoi

CURIOSIDADES:

· Produções teatrais do livro A Guerra não tem Rosto Feminino, foram exibidas em muitos teatros renomados em todo o mundo. Um ciclo de documentários sobre o romance também foi produzido. Svetlana recebeu muitos prêmios por este trabalho.

· Na obra Meninos de Zinco - livro sobre a criminosa guerra soviético-afegã que havia sido ocultada do povo soviético por dez anos - Svetlana mostra a verdade sobre o conflito soviético-afegão. Para coletar material, ela viajou pelo país durante quatro anos para se encontrar-se com mães das vítimas e veteranos da guerra no Afeganistão e também visitou a zona de guerra. O livro provocou enorme controvérsia por seu olhar perspicaz e angustiante sobre as realidades da guerra. Os jornais militares e comunistas lhe atacaram e em 1992, um processo judicial foi aberto contra ela e seu livro. Porém, o público de posicionamento democrático levantou-se em defesa e o caso foi encerrado.

· Os livros de Svetlana foram traduzidos para mais de 45 idiomas – incluindo a língua portuguesa. Eles foram a base para uma dúzia de peças de teatro e documentários.

PARA SABER MAIS:

- VÍDEO “Nobel de Literatura, jornalista Svetlana Alexiévitch se encontra com leitores em São Paulo”

Entrevista de Svetlana Alexiévitch concedida à Companhia das Letras em São Paulo (2016). A escritora fala com seus leitores brasileiros sobre seus livros e as histórias emocionantes que recolheu para escrevê-los.

Ela pode ser vista na íntegra pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=BIrQA9qqmW0

- THE NOBEL PRIZE. Svetlana Alexievitch Biographical – Nobel Prize in Literature 2015. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2015/alexievich/biographical/>. Acesso em: 30 mai. 21

REFERÊNCIAS:

ALEKSIÉVITCH, S. A Guerra não tem Rosto de Mulher. São Paulo: Companhia das Letras. Tradução de Cecília Rosas, 2016.

CCCB. Svetlana Alexievitch. Disponível em: https://www.cccb.org/en/participants/file/svetlana-alexievich/10223. Acesso em: 27 mai. 21.

RECORTE LÍRICO. Os romances de vozes de Svetlana Alexievitch. Disponível em: https://recortelirico.com.br/2020/04/svetlana-alexievich/. Acesso em: 28 mai. 21.

[1] THE NOBEL PRIZE. Svetlana Alexiévitch Biographical – Nobel Prize in Literature 2015. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2015/alexievich/biographical/>. Acesso em: 30 mai. 21

THE NOBEL PRIZE. Svetlana Alexievitch – Facts. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2015/alexievich/facts/. Acesso em: 27 mai. 21.









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