Emmanuelle Charpentier, Nobel de Química, 2020

 Emmanuelle Charpentier: a cientista mãos de tesoura

Olá a todas e todos, como vocês estão? Nós estamos bem e muito felizes porque hoje não teremos uma viagem no tempo, pois dessa vez falaremos sobre uma contemporânea do MMC! Vem com a gente?


Emmanuelle Marie Charpentier nasceu no dia 11 de dezembro de 1968 em Juvisy-sur-Orge, na França. Quando criança, crescendo na capital Paris, ela era encorajada por seu pai, gerente de um parque, e sua mãe, que trabalhava na área da Psiquiatria, a explorar seus próprios interesses acadêmicos, os quais eram muitos. Emmanuelle se recorda de ser uma estudante muito séria, além de se interessar por muitas coisas diferentes, desde Ciências da Natureza e Matemática até as Ciências Humanas, como Psicologia, Sociologia e Filosofia. Também recorda de seu pai lhe ensinando o nome das plantas em latim e acredita que isso tenha influenciado ela  a seguir a carreira científica.

Entre os anos 1980 e 1990, Emmanuelle foi para a Universidade de Marie e Pierre Curie (que atualmente faz parte da Universidade de Sorbonne) para cursar a Graduação e a Pós-Graduação. Ela recebeu o diploma de Graduação em Bioquímica em 1991 e de doutora em Microbiologia em 1995, aos 27 anos. Quando Emmanuelle anunciou para a família que faria sua pesquisa de Pós-Graduação no Instituto Pasteur, sua mãe não se surpreendeu, pois relembrou que, aos 12 anos, Emmanuelle havia anunciado que no futuro trabalharia lá. Portanto era um sonho que se realizava!

                     Emmanuelle Charpentier (2015) - Fonte: Wikimedia Commons; Licença: CC BY-SA 4.0.

O laboratório era como uma casa para a Emmanuelle Charpentier e foi lá que percebeu que ser cientista combinava muito com sua personalidade! Ela era curiosa, tinha uma grande sede por conhecimento, apreciava disseminar e divulgar conhecimento para as outras pessoas e trabalhar em equipe, além de seu desejo de transformar descobertas científicas complexas em aplicações práticas que ajudassem a sociedade. Ela estava muito feliz por ser cientista!

 No Instituto Pasteur, Emmanuelle Charpentier investigou os mecanismos genéticos e moleculares por trás da resistência antibiótica. Então, com as novas tecnologias moleculares e celulares se tornando acessíveis em meados de 1990, ela mudou seu foco para o estudo de como os patógenos bacterianos infectam e interagem com os hospedeiros e o ambiente. Emmanuelle passou a se dedicar a compreender os mecanismos moleculares durante a infecção, com o objetivo de encontrar novos caminhos que poderiam ser aproveitados para o benefício da Medicina. Além disso, desenvolveu ferramentas para facilitar o estudo da genética em patógenos bacterianos e estudar proteínas envolvidas na adesão célula-célula e na transdução de sinal, por meio do desenvolvimento de modelos que usavam camundongos transgênicos.

Em 1996, mudou-se para os Estados Unidos da América (EUA), onde, durante os próximos cinco anos, ocupou a função de pesquisadora associada em três instituições na cidade de Nova York: na Universidade Rockefeller, no Centro Médico Acadêmico de Langone da Universidade de Nova York e no Instituto de Medicina Biomolecular de Skirball. Além de ter permanecido um período no Hospital de Pesquisa Infantil St. Jude em Memphis, Tennessee.

Em 2002, Emmanuelle Charpentier voltou à Europa para seguir a carreira científica com seu próprio grupo de pesquisa nos Laboratórios de Max F. Perutz, na Universidade de Viena na Áustria, onde ela se estabeleceu no campo da Microbiologia. Então, foi nomeada Professora Associada e depois Professora Convidada no Laboratório de Medicina de Infecção Molecular da Suécia (LMIMS, sigla em inglês para “Laboratory for Molecular Infection Medicine Sweden”) na Universidade de Umeå, onde se especializou no campo da Microbiologia Medicinal. Desde 2013, Emmanuelle é chefe do Departamento de Regulamento em Biologia da Infecção, no Centro Helmholtz de Pesquisa de Infecção, e professora na Faculdade de Medicina de Hannover, na Alemanha.

Emmanuelle Charpentier após ser laureada com o prêmio “Canada Gairdner International Award” em 2016, após sua conferência na Universidade de York, Toronto, Canadá - Fonte: Wikimedia Commons; Licença: CC BY-SA 4.0.

Enquanto estava em Viena, Emmanuelle se interessou por mecanismos regulatórios em bactérias que envolvem pequenas moléculas de RNA. Quando se mudou para Umeå, Suécia, ela desenvolveu o projeto CRISPR-Cas9. Um tipo de RNA, o crRNA de ativação em trans (tracrRNA), ganhou sua atenção no laboratório. Esse RNA foi localizado na vizinhança de sequências ímpares de DNA, conhecidas como CRISPR ou “repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente espaçadas”. Quando um vírus ataca a bactéria, um “pedaço" da identidade genética do invasor é armazenado nas sequências CRISPR e depois é usado para repelir o vírus, se ele atacar novamente.

Os sistemas CRISPR-Cas evoluíram extensivamente em bactérias. Ninguém sabia, no entanto, exatamente como era o processo para o chamado sistema tipo II (CRISPR-Cas9). Em 2011, Emmanuelle publicou um artigo na revista científica Nature que identificou o papel crítico que a ativação em trans do crRNA CRISPR (tracrRNA) desempenha no desenvolvimento do vírus mediado por CRISPR.

No mesmo ano, durante uma conferência em Porto Rico, Emmanuelle conheceu a bióloga estrutural estadunidense Jennifer A. Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que estava investigando como os sistemas CRISPR funcionavam, mas em uma perspectiva estrutural. Elas, então, decidiram trabalhar juntas. Com relação ao início dessa parceria, Emmanuelle comentou:

Eu queria ter a estrutura do complexo Cas9 para investigar as possibilidades de reduzir o sistema ao mínimo e identificar a posição de todos os domínios ativos na estrutura do complexo. Nós duas fomos complementares e isso tornou o trabalho em conjunto, mesmo a longas distâncias, muito agradável.

Emmanuelle Charpentier na Noruega, em 2017 - Fonte: Thor Nielsen / NTNU; Licença: CC BY-SA 2.0.

No ano seguinte, em agosto de 2012, Emmanuelle e Jennifer publicaram um artigo na revista Science que transformou o campo da Genética Molecular. Elas mostraram que quando as bactérias são invadidas pela segunda vez por um vírus, uma cópia da informação genética viral armazenada nas sequências de CRISPR (que é expressa como o tracrRNA duplo: crRNA) recruta uma proteína chamada Cas9, que depois procura e destrói o DNA viral, essencialmente por cortá-lo. Esta descoberta trouxe uma abordagem nova e emocionante para a edição de genoma, pois oferece uma técnica do tipo cirúrgica para remover ou adicionar o DNA em posições intencionadas. A tecnologia já está sendo usada em muitos laboratórios em todo o mundo para ajudar a desenvolver novos tratamentos para uma ampla gama de doenças humanas e doenças genéticas.

Emmanuelle Charpentier recebeu muitas honrarias e prêmios, incluindo o Prêmio Göran Gustafsson pela Academia Real das Ciências da Suécia (2014); o Grande Prêmio Jean-Pierre Lecocq da Academia Francesa de Ciências (2014); o Prêmio Dr. Paul Janssen (2014); o Prêmio Jacob Heskel Gabbay em Biotecnologia e Medicina (2014); uma cátedra de Alexander von Humboldt (2014); o “Breakthrough Prize in Life Sciences” (“Prêmio de Inovação nas Ciências da Vida”, em tradução livre) (2015); o Prêmio Louis-Jeantet de Medicina (2015); o Prêmio Ernst Jung de Medicina (2015); o Prêmio Tecnologia Mundial para Biotecnologia (2015); o Prêmio Leibniz (2016); o Prêmio Internacional da Fundação Gairdner (2016); o Prêmio Paul Ehrlich e Ludwig Darmstaedter (2016); a Ordem Nacional de Legião de Honra Francesa (2016); o Prêmio da Fundação Warren Alpert (2016); o Prêmio Novozymes (2017) e o Prêmio Kavli em Nanociências (2018).

Então, em 2020, Emmanuelle Charpentier foi laureada com o Prêmio Nobel de Química “pelo desenvolvimento de um método de edição de genoma”i. Ela recebeu a premiação juntamente com sua parceira Jennifer A. Doudna. Pela primeira vez o Nobel de Química foi dividido entre duas mulheres!

Da esquerda para a direita: Jennifer A. Doudna, Virginijus Šikšnys e Emmanuelle Charpentier

Fonte: Thor Nielsen / NTNU; Licença: CC BY-SA 2.0.

Atualmente Emmanuelle Charpentier mora na Alemanha, onde é presidenta do Departamento de Biologia de Infecções do Centro de Helmholtz para Pesquisa de Infecção e Professora na Faculdade de Medicina de Hannover. Ela também permanece afiliada ao Laboratório de Medicina de Infecção Molecular da Suécia e é membra da Academia de Ciências de Nova York, da Academia Americana de Microbiologia, da Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO, sigla do inglês “European Molecular Biology Organization”), da Academia Real de Ciências da Suécia, e da Academia Europeia de Ciências e Artes.

E então, o que acharam? Nós do MMC nos emocionamos muito com a conquista de Emmanuelle e Jennifer! Pela primeira vez tivemos duas mulheres sendo laureadas juntas com o Nobel de Química! Foi um dos momentos mais lindos das Ciências, em especial, para as autoras deste texto, todas da área da Química! A história de Emmanuelle Charpentier nos inspirou e nos inspira todos os dias, esperamos que tenham gostado de conhecê-la também!

Abraços apertados a distância, cuidem-se e até a próxima!

Gabriela Ferreira, Amanda Ribeiro da Rocha e Glaucia Pantano

                                               Infográfico: Amanda Ribeiro da Rocha

Algumas curiosidades sobre Emmanuelle Charpentier

Em 2014 Emmanuelle Charpentier foi eleita uma das 100 principais pensadoras globais de política estrangeira e uma das 50 francesas mais influentes pela revista Vanity Fair.

Em 2015, Emmanuelle Charpentier foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes no mundo pela Revista Times.

Emmanuelle sempre adorou a música, arte e dança. Quando criança, tocava piano, e praticou balé e dança moderna por muitos anos. De acordo com ela, a arte teve uma influência significativa em sua carreira científica, pois é necessário ser rigorosa e ao mesmo tempo você tem que ser livre.

O Prof. Dr. Adriano D. Andricopulo, da Universidade de São Paulo (USP), organiza anualmente um bolão no qual as pessoas apostam em quem receberá o Prêmio Nobel de Química e, no ano passado, o MMC foi parceiro da iniciativa. Em 2020, seis pessoas apostaram em Emmanuelle Charpentier. O resultado completo pode ser visto em: <https://www.facebook.com/andricopulo/posts/719409488655434>. Quatro integrantes do MMC também participaram das apostas, a Coordenadora Prof.ª Dr.ª Camila Silveira, a Prof.ª Dr.ª Glaucia Pantano e as alunas extensionistas Gabriela Ferreira e Iolanda Ponzetta, apostaram em três pesquisadoras maravilhosas, porém não acertaram. Mas elas não se abalaram e estão prontas para apostar novamente em 2021 e, quem sabe, trazer essa vitória para o MMC!

Um pouco mais sobre Emmanuelle Charpentier

No site do Prêmio Nobel há vários arquivos audiovisuais de Emmanuelle Charpentier, sendo todas as mídias em inglês.

O momento em que ela recebeu a medalha do Prêmio Nobel está no link: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/charpentier/prize-presentation/>. Observamos uma cerimônia bem diferente dessa vez, com poucas pessoas ao redor e diversos cuidados, pois o recebimento do Prêmio ocorreu já durante a Pandemia de Covid-19.

A conferência de Emmanuelle após ser laureada pode ser assistida em: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/charpentier/lecture/>. Novamente ela aparece sozinha, em função da Pandemia.

Também temos uma galeria de fotos de Emmanuelle disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/charpentier/photo-gallery/> e a imagem do seu diploma do recebimento do Prêmio Nobel está em: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/charpentier/diploma/>.

Por fim, algumas entrevistas dadas por ela estão disponíveis em: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/charpentier/interview/>.

Acesso em: 1 ago. 21.

Referências

GRUBER FOUNDATION. Emmanuelle Charpentier. Disponível em: <https://gruber.yale.edu/genetics/emmanuelle-charpentier>. Acesso em: 1 ago. 21.

ROGERS, Kara. Emmanuelle Charpentier – French microbiologist. Encyclopaedia Britannica, 2020. Disponível em: <https://www.britannica.com/biography/Emmanuelle-Charpentier>. Acesso em: 1 ago. 21.

THE NOBEL PRIZE. Emmanuelle Charpentier Facts, c2021. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/charpentier/facts/>. Acesso em: 1 ago. 21.

THE NOBEL PRIZE. The Nobel Prize in Chemistry 2020, c2021. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/summary/>. Acesso em: 1 ago. 21.

WARREN ALPERT FOUNDATION. Emmanuelle Charpentier, c2016. Disponível em: <https://warrenalpert.org/prize-recipients/emmanuelle-charpentier>. Acesso: 1 ago. 21.

i Texto original: “for the development of a method for genome editing”.


Comentários