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MMC ENTREVISTA - Renata Fontanetto
Reportagens de Renata Fontanetto
descortinam realidade feminina na América Latina
Em seu mestrado, Fontanetto discutiu as relações entre gênero e ciência, mais especificamente mulheres e divulgação científica
Por Leandra Francischett
Com quase 10 anos de carreira,
Renata Fontanetto é destaque no meio jornalístico e de divulgação científica. Nascida
em 1991, ela trabalha como repórter e redatora freelancer e tem sua própria
empresa. Fontanetto começou a escrever sobre ciência em 2010, mas sua trajetória
com a área começou ainda em 2006, durante uma iniciação científica em
jornalismo de ciência, enquanto cursava o ensino médio. Em 2014, formou-se em
Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2021,
concluiu mestrado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tendo como tema de
pesquisa "Divulgação científica e gênero: o olhar de jovens mulheres para a
temática mulheres nas ciências em vlogs", um estudo de recepção com jovens
de ensino médio de escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro, para avaliar
como vídeos de divulgação científica no YouTube estimulam o debate sobre a
representatividade feminina nas ciências. Ela já foi fellow da Erice International School of Science Journalism
(2015), Berlin Science Communication Award (2017) e da Falling Walls Foundation
(2021).
Fontanetto escreve sobre ciência e
saúde e já teve a oportunidade de dar luz a diferentes realidades femininas -
muitas vezes obscuras - nos países da América Latina.
Como você define jornalismo
científico?
Jornalismo científico, para mim, é
o jornalismo que consegue olhar para ciência de forma crítica, contextualizando
a ciência historicamente, dando Informações, dando detalhes, explicando também.
Acho que faz parte do jornalismo científico ter que explicar algumas coisas,
não é para ser completamente didático, mas a gente precisa esmiuçar a ciência. Acima
de tudo isso, acima das explicações, jornalismo científico é para conectar,
fazer várias pontes entre o que vem de produção de conhecimento científico em
universidades brasileiras e em empresas e fazer várias pontes com a sociedade e
aí depende de para quais públicos-alvos a matéria se destina. Acho que para
cada público-alvo a linguagem vai ser diferente, a quantidade de coisas que
você vai colocar numa matéria é diferente. Por exemplo, escrever para uma
criança é completamente diferente de escrever para um adulto. São muitas as
possibilidades, muitas as pontes possíveis, mas a função maior do jornalismo
científico é fazer uma ponte para humanizar a ciência, para falar sobre a
produção de conhecimento científico de uma forma contextualizada, que se ligue
a fatos históricos, porque a ciência não surgiu do além, ela sempre tem o que
que veio antes, a partir de qual base esse conhecimento se constrói. E também para
pautar questões sociais dentro da ciência. Então, para fazer com que a ciência
seja debatida a partir de um viés sociológico, de um viés humanizado e com
intenção de olhar para a ciência de forma crítica, porque, se não fizermos isso,
a ciência sempre vai ser um espaço muito injusto e pouco equitativo. A função
do jornalismo científico é também reconhecer os gaps e lacunas na produção de conhecimento, para fazer com que a
ciência se construa de uma forma mais equilibrada e justa.
Como surgiu o interesse pela
cobertura de ciência?
O meu interesse pela cobertura de ciências
surgiu ainda no ensino médio, eu estudei numa escola pública famosa aqui no Rio
[de Janeiro] que é o Colégio Pedro II, e aí durante o ensino médio eu tive uma
oportunidade de fazer uma iniciação científica, que durou os três anos do
ensino médio, 1º, 2º e 3º ano, na época, de 2006 a 2009, e aí, por causa dessa
iniciação científica, que eu fiz na Fiocruz, eu tive o contato com divulgação
científica e jornalismo científico. Eu fui orientada por uma servidora pública
muito parceira, muito incrível, que foi a Edna Padrão. Ela realmente foi a
primeira pessoa que me fez olhar para jornalismo científico como uma
possibilidade de carreira e foi para onde eu acabei seguindo.
Quais os desafios de cobrir esta
área?
Os desafios de cobrir a área eu
acho que são, às vezes, dar conta de temas muito complexos, às vezes em pouco
espaço, às vezes tem matérias que realmente eu sinto que eu podia escrever mais.
Quando é um assunto da matemática, ou da física, por exemplo, então eu acho que
há temas complexos que requerem mais espaço, e às vezes o espaço é curto. Há
temas complexos que requerem mais tempo de apuração e nem sempre esse tempo de
apuração é viável, da forma como a gente gostaria. E eu destacaria em terceiro,
a falta de jornalismo investigativo para temas de ciência, saúde e meio ambiente.
Acho que isso é fundamental, porque o jornalismo investigativo já por si só é
um trabalho que demanda mais tempo, demanda mais apuração, demanda um trabalho
de equipe e às vezes você não tem nem equipe, nem dinheiro, nem financiamento,
nem recurso, infraestrutura, nem tempo. E o jornalismo investigativo é muito
visto por uma questão de temas de política, temas de economia, mas o olhar
investigativo para a ciência, para saúde e para meio ambiente às vezes falta
muito. Eu acho que isso é um mega desafio para a área.
Na sua opinião, como está o papel
das mulheres na ciência no Brasil?
No meu mestrado, eu fiz mestrado
em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde, na Fiocruz, no Rio de Janeiro, e
aí eu pude estudar um pouquinho de gênero e ciência, mais especificamente
gênero e divulgação científica, com foco em ver como jovens mulheres que estavam
estudando no ensino médio, à época, dialogavam e refletiam sobre temas ligados
a gênero na ciência, a partir de vídeos de divulgação científica no YouTube. Foi
um estudo de recepção dentro da comunicação e foi muito bacana, porque eu pude justamente
perceber e estudar mais sobre gênero e ver como o Brasil está valorizando a
presença das mulheres na área e, atualmente, no Brasil, a gente tem, por
exemplo, entrando em universidades um número muito bom e igualitário de jovens
meninas e jovens meninos, só que, à medida que essas mulheres avançam na
carreira científica, graduação, mestrado, doutorado, pós-doc, você vê que menos
mulheres ficam nessas últimas áreas do ensino superior e também quando você
olha em cargos de liderança, as estatísticas mostram que, em cargos de liderança,
em qualquer área, sempre há mais homens que mulheres. As mulheres também estão
em menor quantidade em áreas consideradas as tais ciências duras, as Ciências Exatas
e da Terra, sempre tem mais homens do que mulheres. E as mulheres sempre são
empurradas para áreas que sociologicamente elas são entendidas como áreas do
cuidado, como ciências da vida, ciências médicas, ciências biológicas, essas
áreas geralmente acolhem, recebem mais mulheres do que homens. Isso é um grande
problema, porque você acaba tendo estereótipos muito grandes, você olha, por
exemplo, para matemática e geralmente é mais possível você pensar num homem fazendo
matemática do que numa mulher fazendo matemática, ou num homem fazendo engenharia,
do que uma mulher fazendo engenharia. A gente derruba esse estereótipo a partir
de incentivos e de políticas públicas. Então, eu acredito que com a troca de
governo, o governo atual é muito mais preocupado para a questão de formação e
incentivo de jovens meninas e mulheres na ciência, então eu acho que a gente
tem mais chances de dar mais oportunidade a essas mulheres dentro de qualquer área
científica, porque a oportunidade não pode ser só para área de saúde ou para
área biológica. As mulheres precisam ter oportunidades em qualquer área
científica e não é só para questões de gênero, mas também questões de raça, questões
de sexualidade, a gente precisa de uma ciência diversa para que a produção de
conhecimento seja diversa em qualquer situação, em qualquer área de estudo.
Das reportagens que você já fez,
quais você poderia destacar a figura das mulheres?
Eu fiz a matéria Prohibición del
aborto aumenta la morbilidad materna en El Salvador [Proibição do aborto
aumenta a morbidade materna em El Salvador], disponível no link https://www.scidev.net/america-latina/news/prohibicion-del-aborto-aumenta-la-morbilidad-materna-en-el-salvador/
que eu fiz para o Scidev.net, que é um dos maiores portais de jornalismo científico
a nível mundial, tem vários escritórios no mundo e eu escrevo para o portal
latino-americano. Nessa matéria, eu pude entrevistar pesquisadoras de El
Salvador que fizeram um estudo para falar sobre como é a completa não
possibilidade de realizar o aborto por lá, em qualquer situação. Por lá, o
aborto é completamente criminalizado, então essas pesquisadoras conseguiram ver
como que a falta de possibilidade de realizar o aborto no país aumenta a possibilidade
de mais complicações durante a gestação da mulher, inclusive se o feto tem alguma
malformação. Elas conseguiram ver, através de um estudo muito grande, indo num
banco público de dados dentro da capital do país e fazendo uma análise muito
minuciosa, como que eram os desfechos de gravidezes de fetos que tinham
anencefalia e outras doenças. Para mim foi muito importante, porque entrar em
contato com mulheres que fizeram uma pesquisa corajosa, elas podiam inclusive serem
ameaçadas por estarem fazendo esta pesquisa dentro de um país que sofre
repressões. Aprendi muito fazendo essa matéria e ouvindo essas mulheres por lá.
A segunda matéria Paridad en STEM mejora en la región pero persisten desafios [A
paridade em STEM melhora na região, mas os desafios permanecem], divulgada em https://www.scidev.net/america-latina/news/paridad-en-stem-mejora-en-la-region-pero-persisten-desafios/, é justamente sobre a presença de meninas e mulheres
na ciência na América Latina e como que a ciência da nossa região incentiva
essas meninas e essas jovens, inclusive as adultas que já estão dentro da
carreira e às vezes percebem desincentivos e desafios. Eu destaco também a
matéria Estudo confirma existência de araras-azuis anãs, no link https://revistapesquisa.fapesp.br/estudo-confirma-existencia-de-araras-azuis-anas/
que foi um estudo conduzido majoritariamente por mulheres e mulheres
brasileiras, que trabalham no Instituto Arara Azul, que é um instituto de conservação
ambiental, que está localizado no Cerrado e também na nossa Amazônia. Elas fizeram
um super trabalho de campo para poder entender a taxa de crescimento de araras-azuis
em natureza, araras-azuis selvagens. Foi muito especial conversar também com
essas pesquisadoras brasileiras.
Como você visualiza a participação
das mulheres na ciência hoje?
Acho que é preciso falar sobre o
ativismo das mulheres, não só na ciência, mas em diversas áreas da sociedade,
como por exemplo nas artes, dentro de casa e em outros espaços. Há muitas
mulheres fazendo revoluções dentro de suas próprias casas, mulheres que às
vezes não têm oportunidade mais de estudar ou de sair para trabalhar, porque têm
filhos ou parentes adoentados. Eu acho que, para gente poder falar sobre as
mulheres na ciência, a gente precisa falar sobre mulheres em todos esses outros
âmbitos da vida, o âmbito da casa, o âmbito da rua, o âmbito dentro de uma
escola, e eu acho que hoje em dia a gente tem mais meninas, jovens e mulheres adultas
que se questionam sobre esses papéis que nos são atribuídos desde muito pequenas
e que são papéis que a gente aprende como certos, mas que, na verdade, eles
podem ser outros, eles podem ser desfeitos, eles podem ser reconstruídos. Tudo o
que a gente aprende enquanto mulher, desde criança, isso para mim nada mais é
do que uma construção às vezes muito aquém do que a gente pode ser e muitas
vezes falsa. Eu acredito que os papéis
de mulheres e homens na sociedade são papéis construídos dentro da nossa
cultura, a cultura brasileira e cultura ocidental. Então, para mim não existe
isso do que é certo para uma mulher fazer dentro da ciência ou em qualquer
outra área da vida. Para mim, nós mulheres, enquanto grupo social e
representantes de uma classe ou, enfim, representantes junto às nossas
entidades governamentais, somos nós que precisamos pautar o que queremos e como
que a gente acha que a ciência ainda falta em olhar para nós de forma decente.
Acho que é só lutando, ocupando e tomando à força o que é nosso por direito. Não
existe nada que a gente não possa fazer. Estamos avançando muito, mas muito
ainda pode evoluir.
O que poderia ser feito para melhorar essa realidade?
Eu acho que a gente precisa
enxergar mais e fazer mais pesquisas a partir dos olhares dos estudos de gênero,
raça, sexualidade e classe. Isso é valiosíssimo para que a gente consiga
entender porque que hoje mulheres recebem menos que homens ainda, porque que em
determinadas áreas tem menos mulheres. Eu acho que a gente precisa reestruturar
políticas públicas, que alguns anos atrás, principalmente, antes das gestões de
2016, a gente tinha políticas mais estruturadas dentro de ministérios, para
pautar questões de incentivo a estudo para meninas e jovens, questões de financiamento
para jovens pesquisadoras dentro da academia, questões de olhar pra mães cientistas
que são mães e acolhê-las de outras formas, porque elas têm outras necessidades,
cientistas trans, que vão ter outras necessidades. Então eu acho que a gente
precisa estruturar políticas públicas, esse é o segundo ponto importantíssimo, já
estamos nesse caminho nesses primeiros seis meses de governo, de um novo
governo, mas ainda falta muita coisa. E terceiro, eu fecho falando sobre
representação política, eu acho que a gente não vai ter política pública se os
espaços de representação política e de voz de mulheres dentro do Senado, da Câmara
dos Deputados e em todas outras as instâncias governamentais, desde nível
municipal, estadual e federal, se a gente não tiver mulheres de todas as diversidades
possíveis, pensando política, fazendo política, discutindo ciência, porque
ciência política é uma ciência, e também propondo novas pautas para reestruturação
de políticas públicas. Se mulheres não tiverem espaços de construção de
política, eu acho que nada caminha para frente. Então, a ciência tem muito a
ganhar quando a gente tiver mulheres, jovens e mulheres mais experientes,
maduras, todos os tipos de mulheres, todas as possibilidades de mulheres em
espaços de poder e política, para que isso reverbere de forma positiva nos
espaços de produção de conhecimento, de ciência e de educação.
Você, que tanto contribui com a
ciência, como avalia essa iniciativa da UFPR de desenvolver o blog Meninas e
Mulheres na Ciência?
Eu acho a iniciativa de vocês uma
gota no oceano muito necessária e gigante, porque cada gota de oceano para que
mais meninas, jovens e mulheres olhem para o que mulheres estão fazendo dentro
da ciência e do jornalismo científico, enfim, todas essas gotas do oceano são
importantes, e vocês são uma iniciativa muito robusta para pautar a questão de
gênero na ciência. Então, se essas gotas forem sumindo, a gente fica sem água,
sem hidratação. Vocês estão hidratando um terreno que precisa ser hidratado,
que é justamente pautar esses assuntos, para que as pessoas tenham acesso à
informação, tenham acesso a essas leituras, acesso a esses textos, acesso às
jornadas dessas mulheres que estão pensando política, ciência, pesquisa, mulheres
que estão pensando intelectualmente como que o Brasil deveria ser em termos de
ter mais mulheres na ciência. É super importante para que a palavra circule. A
palavra só pode circular se a gente hidratar esse caminho e fazer com que o rio
percorra esse caminho e vocês fazem parte desse rio. Muito obrigada pela oportunidade
e fico aqui aberta a qualquer outra iniciativa de vocês.
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