MMC ENTREVISTA - Mafalda Nesi Francischett

 MMC ENTREVISTA - Mafalda Nesi Francischett


                                                                                                     Crédito da fotografia: Lucas Antunes Vasques

Ensino e pesquisa em educação geográfica e cartografia escolar

 

Ela também se dedica ao estudo de museus escolares.

 

Por Leandra Francischett


Nascida em Francisco Beltrão (PR), em 1957, ano marcado pela Revolta dos Posseiros, um conflito de terras que aconteceu no Sudoeste do Paraná, a professora Mafalda Nesi Francischett faz história no campo científico desde 1997. Ela foi a primeira mulher beltronense, ou seja, nascida em Francisco Beltrão, município com menos de 100 mil habitantes, a concluir o doutoramento.

Há 20 anos lidera ininterruptamente o grupo de pesquisa Retlee (Representações, Espaços, Tempos e Linguagens em Experiências Educativas) da Unioeste e trabalha a internacionalização da universidade com o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT-ULisboa). Trabalha na licenciatura em Geografia, no mestrado em Educação e no mestrado, e doutorado em Geografia da Unioeste Francisco Beltrão. Nesta entrevista, professora Mafalda comenta suas contribuições para as ciências, seus planos e o seu desejo de que as mulheres conquistem ainda mais espaço nesta área.

 

Na sua opinião, como está o campo para as mulheres nas ciências no Brasil?

O campo está todo aberto, na verdade, há necessidade de mulheres na ciência e o grande problema está nas mulheres descobrirem isso. Ainda é um campo bastante restrito, há falta de conhecimento sobre o que é ciência, como se produz conhecimento em todas as áreas. Nós vivemos ainda um período em que predomina a transmissão do conhecimento e não a produção, a constituição, a construção desse conhecimento. Também temos muitas dificuldades, pela própria desigualdade de gênero, pela dificuldade de acesso às universidades públicas. Mas tem bastante perspectiva da mulher na ciência e tem muitas mulheres que fazem a grande diferença na ciência, nós temos muitos resultados grandiosos, que a mulher traz um olhar diferenciado para ciência.

 

Quais são as suas mulheres inspiradoras nas ciências?

São muitas, mas as principais são a professora Dulce Pompeu de Carvalho, que foi a minha primeira orientadora na especialização, que me acolheu no momento da minha dificuldade profissional, ela me abriu para ciência. Inclusive ela faleceu no mês de março [2023], ela era professora da Unicamp. Outra mulher inspiradora foi a professora Rosália Aragão, também da Unicamp, que faleceu em 2019, uma pessoa fantástica também, que acolhia os professores. Outra mulher que me inspirou muito foi a professora Rosely Pacheco Leshem também da Unicamp, que permanece produzindo ciência. Foram três mulheres que começaram a acolher os professores, principalmente as professoras. Elas sabendo da dificuldade da entrada da mulher na ciência, cada mulher professora que chegava, elas iam acolhendo. A minha admiração por essas mulheres é muito grande e eu me inspirei muito nelas.

 

Quais os principais empecilhos ou dificuldades para mulher nas ciências?

Eu acho que é a falta de reconhecimento da competência da mulher, ainda tem muito isso, há essa desigualdade, que parece que a competência perpassa pela questão de gênero e também a questão cultural, porque ainda se nega a ciência, principalmente no Brasil, a gente vive isso mesmo, a desinformação e a falta de conhecimento sobre o que é ciência. Isso dificulta bastante a questão do acesso da mulher na ciência e também a produção da própria ciência.

 

Você precisou abrir mão de algumas coisas para chegar até aqui?

Eu acho que toda escolha exige que se abra mão de algumas coisas, a gente sempre abre mão de muitas coisas, principalmente lazer. Isso exigiu uma sobrecarga de estudos, então a gente acaba trabalhando e estudando para poder dar conta desse legado. Mas eu não me arrependo de nada, porque, mesmo com todas essas questões, eu consegui conciliar a carga de trabalho com a carga da pesquisa e com as questões familiares e a vida profissional, no geral.

 

Você nasceu em 1957, o ano da Revolta dos Posseiros. Você lembra de alguma coisa desse período?

Sim, eu lembro do que minha mãe falava, durante a vida dela. Inclusive, eu nasci no final de setembro e foi bem no período do quente da revolta. Eu nasci no hospital do Dr. Walter (Pécoits), que foi o líder da revolta e ele estava na revolta, então ela [mãe] passou bastante medo no hospital, porque estava nas borbulhas da revolta e isso ficou bastante marcado na minha vida, enquanto memória, da minha mãe falando que eu nasci nesse período.

 

Você é a primeira mulher beltronense a concluir doutorado. Como você se sente?

Eu me sinto com bastante responsabilidade, porque eu acho que todas nós temos o direito de escolhas e eu me sinto privilegiada por ter tido esse direito, porque foi uma escolha minha e eu consegui. Eu sou nascida em Francisco Beltrão e fui a primeira beltronense a fazer o doutoramento e todas as mulheres que me procuram, na medida do possível, eu acolho e procuro auxiliar.

 

Quais os seus principais feitos para ciência?

As minhas pesquisas perpassam pela área da educação e nas questões de metodologias de ensino, formação de professores, então o que eu procuro fazer é para que os professores se sintam sujeitos no processo, que eles saibam a importância da função deles, que saibam que eles transformam a vida dos sujeitos e da importância de ter esses estudantes e que a gente possa fazer a diferença na vida deles, de modo que os nossos estudantes tenham cada vez mais amor pela escola e que a escola seja o melhor lugar do mundo.

 

Suas pesquisas envolvem muito a inclusão. Quais produtos foram resultantes disso?

Nós estamos trabalhando agora na constituição de conceitos científicos para inclusão. Com os surdos, estamos trabalhando para incorporar conceitos geográficos que são necessários para linguagem. Com os cegos, temos os mapas táteis, para acessibilidade. A intenção é contribuir para acessibilidade nas cidades, diante da falta de inclusão, que vai desde a falta de calçadas até a dificuldade de locomoção dessas pessoas. Nós sabemos que a escola tem bastante responsabilidade e que essas pessoas dependem muito da escola. Nós estamos, por meio da ciência, tentando ver de que forma a gente consegue a auxiliar na produção de conhecimento para que essas pessoas também tenham mais liberdade, mais oportunidades e direito de escolha.

 

Quais são os próximos planos? Que trabalhos e atividades estão previstos?

O plano é continuar com as pesquisas nessa área de inclusão, trabalhar com as questões da atualidade, trazendo aspectos importantes para aprendizagem dos estudantes, reforçar as trocas internacionais, que a gente faz muita troca com outros pesquisadores internacionais. Inclusive, em 2022, tivemos a premiação de uma aluna, numa troca internacional, num projeto de pesquisa que a gente faz. Ela produziu um texto e foi a única do Brasil que recebeu prêmio nessa categoria. É uma estudante do oitavo ano, de Itapejara d’Oeste, então, vejamos, se uma estudante do oitavo ano já consegue se destacar na produção de textos, ela vai incentivar os colegas, como incentivou, e vai despertar o interesse e isso traz conhecimento e aprimora o campo da ciência, além de fortalecer a formação do professor, que precisa estar sempre recebendo experiências atualizadas para que ele possa estar trabalhando com os estudantes, que vêm com uma tecnologia bastante aprimorada.

 

Também faz parte das suas pesquisas os museus escolares. Qual a importância do museu na divulgação científica?

Por muito tempo, a impressão que se tinha era que os museus eram para estudar somente coisas antigas. Na verdade, o museu é um registo das memórias, então ele tem que estar sempre à tona nas escolas e precisa estar trazendo as memórias para compreender o processo de transformação espacial, que foi decorrente das tecnologias da época e que essa tecnologia foi aprimorando. E essas transformações são importantes, porque a inovação das técnicas e dos instrumentos técnicos fazem a diferença na atualidade e é preciso compreender isso. Então, os museus escolares, que estudam o patrimônio, eles trazem as relíquias que não podem ficar descontextualizadas.

 

E quais as outras premiações recebidas?

Temos a orientanda Maiara Tibola, que na pesquisa de mestrado mostrou como que é a acessibilidade na cidade de Francisco Beltrão. A Maiara conseguiu retratar a vida de uma estudante, que deu bastante repercussão, porque as pistas táteis muitas vezes não levam aonde deveriam levar. A Maiara descobriu várias pistas táteis que levavam a destinos inapropriados, por exemplo, uma delas levava para dentro de um rio. Então, se a pista é para o cego andar sozinho, olha a contradição. E tantas outras coisas, por exemplo, quem não teve oportunidade de caminhar e olhar que a pista leva diretamente até um poste? Precisamos olhar para acessibilidade nas cidades. Essa pesquisa rendeu uma reportagem num jornal local e a jornalista ganhou uma premiação nacional, no Prêmio Rui Bianchi, em decorrência dessa reportagem. Além disso, em 2000, eu recebi uma menção honrosa, enquanto pesquisadora, da Fundação Otávio Gouveia de Bulhões. Em 2001, eu recebi o mérito cultural aqui pelo município, pelo Departamento de Cultura, e em 2012 o mérito cultural novamente, aí pela Secretaria de Educação, no município de Francisco Beltrão.

Comentários

Postar um comentário