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Fabiane Picinin de Castro Cislaghi “decifra” a ciência dos queijos para produtores
No Sudoeste do Paraná, as queijarias, em geral, são marcadas pela presença do trabalho feminino.
Por Leandra Francischett
Fabiane Picinin de Castro Cislaghi é professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) campus de Francisco Beltrão, onde atua também como
coordenadora do curso de Engenharia de Alimentos e como pesquisadora,
principalmente na área de queijos.
Graças ao seu trabalho, em conjunto com sua equipe e com parceiros, muitos produtores de queijo da região Sudoeste do Paraná puderam se qualificar e até conquistaram selos, que permitem a comercialização em todo o território nacional. No Sudoeste do Paraná, as queijarias, em geral, são marcadas pela presença do trabalho feminino.
Outra atividade de Fabiane é a participação em julgamento de queijos, tarefa que ela adora, mas que também é de muita responsabilidade. Ela explica como é esta
experiência e conta um pouco como foi sua viagem para França, país famoso pela
produção queijeira, sendo um dos maiores produtores mundiais de queijo.
Fabiane nasceu dia 6 de fevereiro de 1984, em Cruz Alta (RS). É farmacêutica
bioquímica, tecnóloga de alimentos pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e tem mestrado e doutorado em Ciência de Alimentos, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É casada com Mauro Cislaghi, maestro do Coral e da Orquestra da UTFPR-FB, e mãe dos gêmeos Felipe e Guilherme, 8 anos. Nesta entrevista, ela comenta ainda como procura dar conta da maternidade, do casamento, dos trabalhos acadêmicos e das missões técnicas.
Você esteve na França, em setembro. Qual foi o objetivo dessa viagem?
Eu participei de uma missão técnica queijeira, promovida pela Sertão Bras, que é uma ONG. Fomos conhecer várias regiões queijeiras da França, com cinco queijos de denominação de origem protegida. Conhecemos as fazendas, os animais, a alimentação, a fabricação, a maturação. O objetivo foi conhecer a realidade desses outros queijos. Fomos também no INRAe (Institut National de Recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement), que é o Instituto Nacional de Pesquisa em Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente da França, bem como a Escola Nacional da Indústria Láctea (Enil de Aurillac), e participamos de uma conferência sobre as cinco Denominações de Origem da Auvergne. Também estivemos no mundial do Fromage, que é um concurso mundial, em que eu fui jurada, junto com demais integrantes da missão.
Quais os benefícios desta missão?
A viagem interferiu diretamente no trabalho com os produtores, porque esse
conhecimento de outras regiões amplia a visão e traz inovações. No próprio ensino, durante as aulas. É muito diferente você ver uma foto de um queijo, e estudar ele na teoria, do que você ir lá conhecer, ver como faz e provar. Muitos desses queijos não chegam no Brasil, a gente nunca provou o original de lá, temos empresas daqui do Brasil que fazem, mas é diferente. Isso vai enriquecer bastante o trabalho com os produtores e com os alunos, no ensino, e também as redes e teremos frutos daqui para frente, com trabalhos em parcerias, mais conquistas para o queijo artesanal. Nesta viagem também participaram agentes de inspeção, outros professores e pesquisadores. Fui convidada para fazer parte do corpo técnico da Sertão Bras e aceitei.
Você costuma participar de concursos como jurada, quais os critérios?
Cada concurso tem os seus critérios, mas, em geral, é uma análise sensorial, então avaliamos primeiramente a aparência, como que está aquele queijo, se ele está característico, se ele está com algum defeito, aí sentimos o aroma, a textura na boca, o sabor e vemos também se não tem nenhum defeito de sabor, de textura, de aroma, e se ele está característico da família, porque quando o produtor inscreve o queijo, ele inscreve numa determinada família. Então, cada mesa vai ter uma família ou mais de uma família de queijos para gente avaliar. Então você avalia cada queijo sozinho, você não vai fazer um comparativo, então você vai dar uma nota, mas é uma nota descritiva, não é uma nota se eu gostei ou se eu não gostei, é avaliar aquele queijo como que ele está, porque, por exemplo, eu posso cair numa mesa de um queijo que eu não gosto, numa família de queijo que eu não gosto, então vou dar sempre nota baixa, não, não é esse o objetivo, então você vai avaliar tecnicamente o queijo. A maioria dos concursos
que eu participei é assim, mas tem concursos que são diferentes, que você compara os queijos entre si, você dá nota para os melhores do concurso, mas não é muito fácil. Como é que você vai avaliar queijos que são muito diferentes entre si? Então acaba dificultando um pouco a avaliação.
Como foi sua participação na USP?
Eu fiquei um tempo na USP, avaliando os queijos artesanais paulistas. Em São Paulo é um pouco diferente, porque eles têm bastantes queijos autorais, não são queijos tradicionais, como por exemplo minas.
Como surgiu o seu interesse pela docência e pela pesquisa científica?
Eu pensei em seguir a carreira de professora. Inicialmente, quando eu estava no
mestrado, eu resolvi que eu ia ser professora. Eu fiz estágio de docência, mas não
necessariamente na área de pesquisa, porque tem professor que gosta mais da pesquisa do que da área do ensino. Não, eu gosto bastante do ensino, gosto também da pesquisa, mas não é meu principal objetivo na universidade, então eu acho que veio como consequência, e a pesquisa sempre muito aplicada, pensando na região, pensando em ajudar alguém. A extensão caminhando junto com a pesquisa. Foi natural e acho que o principal objetivo da pesquisa é esse, ajudar as pessoas e pensar na sociedade, não uma pesquisa por si só, para ela ficar engavetada e não ter nenhuma aplicação, eu acho que é nesse sentido.
Na sua opinião, como está a situação das mulheres nas ciências?
Eu particularmente nunca sofri discriminação, mas a gente percebe nos principais
cargos de chefia, por exemplo. Num evento no semestre passado, a gente estava
participando do encerramento e chamaram ao palco praticamente homens, só que quem que trabalhou nos bastidores? Praticamente mulheres, só que na hora da foto são os homens que estão lá. Sabemos que existe essa discriminação, em todas as áreas.
O que poderia melhorar?
Olha, acho que investimento, de forma geral, talvez editais mais específicos, focando nas mulheres. Tem a questão da maternidade, eu acho que isso foi uma conquista bem importante, que a maternidade agora está no lattes, dá para colocar a licença maternidade e você pode contar esse período na hora de concorrer aos editais, isso não existia. Então vem melhorando, mas acho que poderia ter editais mais específicos, porque sabemos que aquele período em que a gente é mãe, tem a licença, você acaba não publicando, o seu currículo fica meio estagnado e você tinha que concorrer do mesmo jeito com os homens. Salvo algumas exceções, a mulher que acaba assumindo muito a casa, os filhos, então, até no dia a dia do trabalho, isso também fica prejudicado. Acho que mais investimento em pesquisa de forma geral e editais que fossem mais direcionados, embora já venha melhorando. Tem o Meninas na Ciência e outros editais, mas acho que focar mais nisso.
Como conciliar família, trabalho e casa?
Esta pergunta eu não sei responder, a minha sorte é que meu marido participa bastante e acho que, pelo fato de termos gêmeos, ele sempre pegou junto. A gente sempre revezava os bebês enquanto pequenos, desde amamentar de madrugada, revezava o peito e a mamadeira, então neste sentido o meu marido é muito participativo e bastante compreensivo, eu nunca deixei de fazer nada por ser casada ou por ser mãe. Isso não interferiu na minha carreira, mas eu tento ter equilíbrio, até percebo, por exemplo, que, antes dos meninos nascerem, eu trabalhava mais à noite, final de semana, feriado, e isso nem sempre é bom. Então agora eu já me policio para não trabalhar final de semana, não trabalhar à noite, porque eu tenho os meninos, busco dar atenção para eles e para família, mas é meio que natural, não sei a resposta, mas acho que é tentar ter o equilíbrio. Porque você é substituível, a partir do momento que você não estiver mais ali presente, você vai ser substituído, então o mais importante é a família, os filhos.
Quais as suas principais contribuições para ciência?
Esta também é uma pergunta difícil. Eu acho que é muito nisso que eu falei, de tentar auxiliar uma região. Hoje a gente pode dizer que a partir do nosso projeto da universidade, na área de queijos, o Paraná está se destacando também como um estado produtor de queijo, a nossa região também. Então acho que é isso, mas não é um trabalho só meu, é um trabalho de formiguinha, que tem várias pessoas e entidades envolvidas. A minha contribuição acho que é no sentido de levar o Paraná a ser conhecido nacionalmente e internacionalmente, bem como a nossa região.
Você trabalha diretamente com produtores de queijo. Qual a participação das mulheres nesta área?
Aqui, na nossa região, a gente tem principalmente as mulheres dentro das queijarias. Em poucas exceções é o homem quem faz o queijo. Muitas vezes o homem fica responsável pelo leite, pelos animais, pela ordenha, e a mulher é que faz o queijo, que cuida da queijaria. Então, as mulheres são muito presentes nessa área, nessa cadeia do queijo artesanal.
Como traduzir o falar acadêmico para uma fala compreensível para esses
produtores?
Para mim foi fácil, e a extensão acho que acaba sendo fácil para mim, porque, como eu gosto muito do ensino, eu nunca tive dificuldade para ministrar aulas. Eu sempre tive uma boa relação com os alunos e, para os alunos, eu já tentava traduzir para uma linguagem do dia a dia deles, coisas reais, para eles poderem entender. Acho que para os produtores foi uma continuidade desse processo, de tentar trazer coisas do dia a dia deles, para eles entenderem o que a gente fala cientificamente.
Você contribuiu para que os produtores ganhassem alguns selos, qual a
representatividade disso?
Foi no período da pandemia, os produtores do município de Salgado Filho (PR) tiveram o primeiro selo Arte do estado do Paraná. Isso foi bem importante, numa época que ninguém ainda tinha conseguido. Há poucos produtores que têm o selo Arte no Brasil, que permite a comercialização em todo território nacional. Foi bem importante na época, como se a gente tivesse aberto as portas para que outros produtores pudessem também solicitar. A universidade auxiliou nesse processo de montar um documento para solicitar o selo Arte, mas também a gente auxilia os produtores na melhora da qualidade dos queijos e possibilita que eles ganhem prêmios em concursos.
A que você atribui essas conquistas?
Eu acho que é um trabalho conjunto, então cada um tem que fazer a sua parte. O
produtor tem que estar lá na propriedade, cuidar dos animais, da qualidade do leite, assim como estamos ali na universidade, fazendo as capacitações, os cursos e fazendo a análise dos produtos e tem outros atores envolvidos. Hoje, estamos com um projeto em parceria com o IDR (Instituto de Desenvolvimento Rural), que é a parte de extensão; parceria com o Sebrae, que está fazendo toda a parte de marketing, de marca, de marca coletiva, que a Aprosud (Associação dos Produtores de Queijo Artesanal do Sudoeste do Paraná) protocolou a indicação geográfica no INPI. Além do Sebrae, a associação tem também a parceria com a Cresol, que é a instituição financeira. É um trabalho conjunto, de cada um fazer a sua parte, para que a gente consiga ter todo esse conhecimento e os resultados que a gente tem tido.
A região Sudoeste do Paraná é referência no Brasil quando o assunto é queijo. A que se deve isso?
A esse trabalho em conjunto. A região sempre foi produtora de queijo artesanal,
principalmente de colonial, mas de um tempo para cá isso ficou mais evidente. Muitos produtores escondiam, porque muitos produziam de forma ilegal, e de 2015 para cá, temos articulado o setor. Houve a criação de um grupo de trabalho, teve uma pessoa muito importante, que foi o Diego, do Ministério da Agricultura. Foi ele que começou articular esse grupo de trabalho na região e aí a gente começou a unir as instituições e teve a criação da Associação dos Produtores e a capacitação, a melhora da qualidade, acho que esse é o caminho.
Como as mulheres podem se tornar mais empoderadas nas ciências?
Olha, nas ciências como em qualquer outra área, eu acho que acreditar em si mesma, não ter um preconceito de achar que não vai conseguir. É deixar claro a sua opinião.
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