MMC ENTREVISTA - Alice Grimm



Alice Grimm, professora do Departamento de Física da UFPR e uma das cientistas mais influentes do mundo, aborda questões sobre chuvas no Paraná


A pesquisadora explica as interferências do El Niño e da La Niña e esclarece o que pode interferir nos alagamentos. 


Por Leandra Francischett


            Graduada em Física e Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), professora Alice Marlene Grimm é mestre em Ciências Geodésicas (UFPR) e doutora em Meteorologia (USP). É uma das pesquisadoras mais influentes do mundo, de acordo com rankings internacionais, como da Universidade de Stanford, dos Estados Unidos.  

            Atualmente, é professora titular da UFPR, bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, líder do Grupo de Meteorologia da UFPR, orientadora nos programas de pós-graduação em Física (PPGF), em Engenharia Ambiental (PPGEA) e em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental (PPGERHA) da UFPR. É coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Monções das Américas do Painel de Monções dos Programas CLIVAR e GEWEX (CLIVAR/GEWEX Monsoons Panel) do Programa Mundial de Pesquisa Climática (WCRP) da Organização Meteorológica Mundial (WMO). Já fez parte de vários comitês científicos e grupos de trabalho da WMO, entre eles o Grupo de Gestão da Comissão de Ciências Atmosféricas da Organização Meteorológica Mundial (WMO/CAS), representando a América do Sul. Integrou o Comitê Científico do UCCRN (Urban Climate Change Research Network, Columbia University), o grupo de trabalho GT1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e o grupo de revisão do Relatório 5 do IPCC. Foi Editora Associada da Revista Brasileira de Meteorologia para a área de Clima. Coordena vários projetos nacionais e já liderou projetos internacionais. Atua principalmente nos seguintes temas: variações climáticas intrassazonais, interanuais e interdecadais, seus mecanismos e impactos, teleconexões, interações trópicos-extratrópicos, previsibilidade e previsão climática.

            Há quase 50 anos como professora da UFPR, Alice pretende continuar lecionando, pois ela acredita que o contato com os alunos é um “elixir” para os professores. Em 2023, foi escolhida como nome de turma na formatura da Turma de Física da UFPR. Já recebeu várias homenagens, como o Troféu Mulheres de Ciência Glaci Zancan, outorgado pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, em 2010. Confira a entrevista.

 

A senhora foi uma das primeiras pesquisadoras do mundo a estudar o impacto do El Niño e da La Niña no clima do Brasil e da América do Sul, se tornando referência internacional no assunto. Como esses fenômenos atingem o Estado do Paraná?

O impacto dos eventos El Niño (EN) e La Niña (LN) no Paraná varia ao longo do período de cada evento. Vamos focar os impactos sobre a precipitação (chuva), porque são os mais relevantes. Eles não são constantes durante toda a duração de cada evento, pois os impactos devem-se a teleconexões (influência remota destes eventos, que varia com a variação sazonal do clima) e também a processos regionais (mais fracos) associados com temperatura e umidade do solo. Além disto, deve-se lembrar que cada evento é um pouco diferente do outro, com deslocamentos das anomalias de temperatura da superfície do mar no Oceano Pacífico. Estas anomalias não ocorrem exatamente com a mesma intensidade nos mesmos lugares em todos os eventos EN ou LN. Portanto, as anomalias de chuva também sofrem variações entre um evento e outro.             Contudo, é possível determinar as anomalias mais consistentes no conjunto de eventos EN e no conjunto de eventos LN. O Estado do Paraná está numa região que, mesmo sofrendo impactos de EN e LN, não é a região de impactos médios mais severos no Sul do Brasil. Em média, um evento EN se inicia no inverno de um ano e se estende até o outono do ano seguinte. Não há geralmente impacto significativo no inverno em que o evento de inicia. As anomalias positivas de chuva (chuva mais forte que a média) se tornam mais intensas na primavera, principalmente no mês de novembro. No verão, as anomalias diminuem e praticamente desaparecem no Estado e a chuva tende a ser normal. No outono, se o evento EN permanecer ativo, a chuva volta a aumentar acima do normal. De maneira geral, no inverno do ano seguinte o evento EN já acabou, mas há casos em que o evento se estende e ainda é forte, e então podem ocorrer chuvas acima do normal. Isto ocorreu em julho de 1983, por exemplo. Portanto, em EN a maior probabilidade de aumento de chuva existe na primavera do ano de início e no outono do ano seguinte.

            No Paraná, os impactos mais fortes ocorrem em média no Oeste/Sudoeste do Estado, mas ocorrem também em outras regiões. Em eventos LN, os impactos tendem a ser opostos aos de EN. Na primavera, ocorrem anomalias negativas de chuva (menos chuva que a média), enquanto no verão as anomalias enfraquecem e a chuva tende a ser normal. No outono do ano seguinte, se o evento ainda estiver ativo, a chuva volta a diminuir abaixo da média. Em termos de temperatura, o impacto não é muito consistente, devido a efeitos opostos das anomalias de nebulosidade e da circulação atmosférica sobre esta variável. O efeito mais sensível na temperatura ocorre no inverno do ano em que os eventos se iniciam: tende a ficar mais quente em El Niño e mais frio em La Niña.

 

Curitiba deveria se preocupar com um possível alagamento, a exemplo do que ocorreu em Porto Alegre?

            Se chovesse em Curitiba a quantidade enorme de chuva que ocorreu em alguns lugares do RS no início de maio de 2024, muito provavelmente algumas áreas da cidade seriam alagadas, mas imagino que não na proporção que a enchente tomou em Porto Alegre. Para comparar os dois casos, seria necessário um estudo hidrológico para verificar como o nível da água de rios, córregos e alagamentos devidos à drenagem insuficiente se comportaria para dadas quantidades de chuva.

 

Como relacionar a realidade entre as duas capitais?

            Conforme a resposta à questão anterior, é difícil fazer uma comparação direta entre as duas capitais sem um estudo hidrológico comparativo mais detalhado, pois elas têm condições geográficas diferentes. Existindo todas as informações necessárias, é possível verificar a resposta a dadas quantidades de chuva em cada caso. Depende das condições de drenagem da água da chuva excessiva. Até o final da década de 1960, por exemplo, Curitiba sofria com enchentes urbanas e frequentes alagamentos no centro da cidade. Tal problema foi diminuído com a ampliação do sistema de saneamento, aumentando a drenagem de vários rios urbanos. Mais adiante, foram implantados vários parques que ajudam a reter água em áreas que podem ser alagadas e também no subsolo, devido à vegetação. Entre eles, estão os Parques Barigui e Tingui. Contudo, o aumento da população e da área urbanizada e impermeabilizada exige constante atualização do planejamento de ações para impedir enchentes e alagamentos que afetem a população. Além disto, com as mudanças climáticas antrópicas, há tendência de aumento da quantidade de precipitação em cada evento de chuva, ou seja, de aumento da frequência de eventos extremos. Isto também deve ser tomado em conta no planejamento.

 

A quantidade de lixo produzida pode interferir nos alagamentos?

            Pode favorecer alagamentos, desde que não tenha destinação correta e vá parar em rios, córregos e nas galerias de águas pluviais. Desta forma, vai interferir na drenagem do excesso de água.

 

E a questão da altitude, uma vez que Curitiba está a 935 metros acima do nível do mar?

            O fato de Curitiba estar em grande altitude não assegura que não possa sofrer enchentes e alagamentos. Só evitaria efeitos de marés e circulação oceânica, que podem agravar enchentes em cidades próximas ao nível do mar e do litoral.

 

É possível prever alagamentos e evitar desastres como o que ocorreu em Porto Alegre?

            Pode-se definir um desastre natural como sendo o conjunto de impactos nocivos de um fenômeno natural extremo sobre sistemas naturais e humanos, que causam sérios danos e prejuízos (mortes, danos à saúde, à propriedade, meios de subsistência, serviços, ecossistemas, etc.). Praticamente todos os desastres naturais que ocorrem no Brasil tem conexão com eventos extremos meteorológicos, principalmente eventos extremos de chuva ou secas extremas e persistentes, pois não temos terremotos, vulcões, tsunamis ou outros fatores que podem produzir desastres naturais. Contudo, o risco de ocorrência de um desastre natural não depende apenas do risco de ocorrência de eventos extremos meteorológicos. Há três componentes de risco de um desastre natural, pois ele resulta da interação entre a ameaça, vulnerabilidade e exposição:

- Ameaça: potencial ocorrência do evento extremo ou intenso, que possa causar impactos adversos;

- Vulnerabilidade: propensão dos sistemas a serem adversamente afetados (suscetibilidade ao prejuízo, incapacidade de enfrentar e adaptar);

- Exposição: presença de elementos de sistemas naturais e humanos que possam ser adversamente afetados (pessoas, meios de subsistência, serviços, infraestrutura, espécies ou ecossistemas, etc.).

            Portanto, já que existem eventos extremos, é necessário diminuir ao máximo possível a vulnerabilidade e a exposição a eles, para evitar desastres. Isto significa implantar medidas capazes de evitar efeitos adversos (enchentes, alagamentos) em áreas povoadas e impedir a ocupação de áreas naturalmente alagáveis. Significa também construir obras de infraestrutura (estradas, pontes e outras obras de utilização pública) capazes de resistir a eventos extremos, de modo a não interromper serviços essenciais. Isto diminui o risco de desastres. Por outro lado, se, por falta de planejamento e execução de ações necessárias, houver vulnerabilidade e exposição, então só é possível mitigar os efeitos de eventos extremos se forem previstos com antecedência suficiente para adoção de medidas emergenciais (remoção de populações de zonas vulneráveis, estocagem de alimentos e outros artigos necessários, planejamento de rotas alternativas para transporte, etc.). Se nada disto for feito e ocorrer um evento realmente extremo, o desastre acontece.

 

Como as mudanças climáticas podem interferir na situação atual?

            As mudanças climáticas antrópicas, que contribuem para o aquecimento global, favorecem o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos e, portanto, contribuem para o aumento do risco de desastres (pelo aumento do componente de ameaça). Portanto, há necessidade de mais planejamento e ações no sentido de diminuir os componentes de vulnerabilidade e exposição para que o risco de desastres não aumente.

 

Curitiba é conhecida pelos seus belíssimos parques. Esses parques podem agravar os alagamentos?

            Absolutamente não! Boa parte deles foi justamente implantada para diminuir enchentes/alagamentos em regiões que afetariam a população. Eles têm justamente o papel de reter água em áreas que podem ser alagadas sem prejudicar a população e de permitir maior retenção de água no subsolo, pela conservação da vegetação, também com isto diminuindo a rapidez de escoamento de água da chuva para rios, córregos e áreas povoadas. A implantação de parques lineares nas áreas alagáveis ao longo de rios, impedindo sua ocupação irregular, evita que enchentes atinjam populações nestas áreas. Além disto, preserva vegetação, que também ajuda a diminuir enchentes, pois freia o escoamento da água para os rios.

 

Quais políticas públicas poderiam contribuir para evitar desastres causados pela natureza em Curitiba?

            Existem numerosas políticas públicas que podem contribuir neste sentido e algumas já foram mencionadas nas respostas anteriores. Em linhas gerais, elas devem contribuir para macrodrenagem ao longo dos principais rios e ampliação de volumes de retenção de água bem distribuídos. A utilização de soluções naturais, através de parques que também conservem vegetação, é preferível. Além disto, é necessário investir na complementação, manutenção e limpeza da rede de coleta de águas pluviais. Finalmente, a cidade deve dar sua contribuição à redução de gases de efeitos estufa, para ajudar a evitar mudanças climáticas nocivas.

 

Como a população pode contribuir para prevenção desses desastres?

            A população pode tomar atitudes que impeçam mudanças climáticas e promovam sustentabilidade, muitas delas já bem divulgadas. Além disto, é muito importante ter consciência quanto à correta destinação do lixo, o que não é difícil numa cidade como Curitiba, que tem rede de coleta. Deve-se evitar jogar lixo em rios, córregos, nas ruas (de onde pode ser levado para as galerias de águas pluviais), no ambiente em geral.

 

*Para entender mais sobre aspectos de variações climáticas e sua relação com desastres naturais, assista à entrevista concedida ao programa Paraná em Pauta em https://www.youtube.com/watch?v=vyxFoMrgo7A&list=PLJtwtLHTyLQU_U9xnxgP7YHwZZN0dClap&index=17

 

 



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